DIÁLOGO
Este olhar demoradamente fixado em Deus é um diálogo ao nível do ser. Não se trata de conversação banal, troca de palavras piedosas, nem mesmo êxtase beatífico; é a expressão da relação essencial que nos une a Deus. Deus se manifesta em nós menos perfeitamente, é verdade, do que em seu Verbo, mas é a imagem de Deus que nós somos que, na contemplação, olha a sua fonte.
Para compreender o significado deste diálogo, temos de nos remeter ao diálogo do Verbo com o Pai. Deus dialoga com sua Palavra, seu Verbo, isto é, com a cópia ou expressão de si mesmo que não difere dele senão em ser ele aquele que profere, e o Verbo ser o proferido.
O Verbo proferido e produzido pelo Pai exprime-o perfeitamente. É-lhe a exata e total expressão. Captando-se a si mesmo, compreende o Pai. Jesus disse a seus apóstolos: "Quem me vê, vê o Pai. . ." Que dizer do conhecimento que o Verbo tem do Pai, conhecendo-se a si mesmo? Captando-se, capta perfeitamente o Pai.
O diálogo que se estabelece entre o Pai e seu Verbo é tão real que, ao revelar-se, o Pai se dá inteiramente e o Verbo torna a dar-se totalmente ao Pai. O diálogo assim estabelecido é o diálogo de todo o ser. O mesmo deveria acontecer no nosso diálogo com Deus, de quem recebemos tudo o que somos, tendo sido feitos à sua imagem e tornados participantes de sua natureza.
Se nosso olhar em Deus é vazio e enganador, é porque não o sustentamos naquele profundo diálogo cujo exemplo o Pai e o Verbo nos dão. Limitamo-nos a trocar palavras ou olhares, talvez repletos de bons sentimentos, entretanto vazios, sem o comprometimento do ser. Em nossa contemplação apenas entregamos, de nós mesmos, o invólucro de nossa personalidade e, muitas vezes, a própria personalidade é artificial. Revestimo-nos dela para ir rezar. Oferecemos assim a Deus belas considerações que os livros nos fornecem à vontade, mas onde está o olhar que nos entrega totalmente?
Em semelhantes condições, o olhar que pousamos em Deus é vazio. Olhar de cego que não corresponde ao lance dado por Deus. E admiramo-nos de que nossa contemplação nada nos traga. Dela extrairíamos algo se, no diálogo, nos lançássemos inteiramente, assim como o Verbo entrega ao Pai tudo o que tem, o que ele é, o Verbo . . .
Para chegar a este ponto, é preciso que o olhar em Deus revolva as nossas entranhas ... De outro modo, a contemplação não passa de um jogo de salão que contém suas regras. Expressamo-nos da boca para fora, damo-nos à flor da pele.
Cristo nos mostra, em sua vida, a maneira como a troca dos olhares é contínua entre o Pai e ele, expressão natural do diálogo perpétuo que os une, que os infunde totalmente um no outro, no dom recíproco total.
Em tudo, o Pai se revela e é seu Verbo; ele se dá, e é seu Filho; o Verbo-Filho torna a se dar ao Pai. Diálogo do mesmo ao mesmo? Não, porque o Pai é pai, o Filho é filho. O Espírito, o amor que os une, é idêntico ao Pai e ao Filho, mas como Espírito.
Desde agora somos os filhos de Deus e bem o sabemos. Na revelação deste mistério podemos caminhar de luz em luz. Dia virá em que veremos Deus tal como é e seremos semelhantes a ele.
Quem se coloca no caminho da contemplação pode, desde agora, ver na fé a maneira como este olhar transformante concluirá sua divinização.
padre Emílio Carlos+
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