Escolher amar
2ª Semana da Quaresma
Meditação
Porque a mensagem que ouvistes desde o princípio é esta: que nos amemos uns aos outros. Não como Caim que, sendo do Maligno, assassinou o seu irmão. E porque o assassinou? Porque as suas obras eram más, ao passo que as do irmão eram boas. Não vos admireis, irmãos, se o mundo vos odeia. Nós sabemos que passamos da morte para a vida, porque amamos os irmãos. Quem não ama, permanece na morte. Todo aquele que tem ódio a seu irmão é um homicida; e vós bem sabeis que nenhum homicida mantém dentro de si a vida eterna. Foi com isto que ficamos a conhecer o amor: Ele, Jesus, deu a sua vida por nós; assim também nós devemos dar a vida pelos nossos irmãos. Se alguém possuir bens deste mundo e, vendo o seu irmão com necessidade, lhe fechar o seu coração, como é que o amor de Deus pode permanecer nele? Meus filhinhos, não amemos com palavras nem com a boca, mas com obras e com verdade. (1 João 3,11-18)
Em nenhuma outra passagem da primeira carta de S. João a palavra «irmão» aparece tão frequentemente como nestes versículos: no plural ou no singular encontramo-la sete vezes. E, surpreendentemente, na história de Caim e Abel, a que a nossa passagem de refere (Gênesis 4,1-16), a mesma palavra é também repetida sete vezes. É talvez apenas uma coincidência, mas que imediatamente nos orienta numa direção: quando irmãs ou irmãos estão juntos, amar não é algo automático. Podem aparecer rivalidades e surgir conflitos: então, como comportar-nos?
«Não como Caim», diz a nossa passagem (v.12), mas como «aquele» (v.16) E «aquele» é obviamente Jesus. Como se o autor estivesse a apontar o dedo para ele.
Caim sentiu-se ameaçado pelo seu irmão, porque Abel era, aparentemente, mais bem aceite. De modo a não sentir esta ameaça ele tinha de eliminar o irmão, afastá-lo do seu horizonte. Ao passo que «aquele», Jesus, o que fez? Ele foi capaz de «dar a vida pelos seus irmãos e irmãs», a sua vida terrestre, passageira e frágil (a sua «alma», como o texto refere no versículo 16). Enquanto o primeiro viveu de fato num mundo de morte, não apenas onde tudo acaba por sucumbir à morte, mas onde a morte é infligida àqueles que nos ameaçam, o último coloca-nos numa situação totalmente oposta. Graças a ele firmamo-nos na vida (v.14) e essa vida é eterna (v.15). Assim, é possível abrirmo-nos aos outros (v.17) sem nos sentirmos ameaçados, e dar-lhes tudo, até a nossa própria vida (v.16).
Para o autor da carta, o amor fraterno está no coração desta oposição entre vida e morte. Amar significa fazer uma escolha. Devemos «escolher amar», como escreveu o irmão Roger. Apesar de alguns textos judaicos sugerirem que devemos ter pena de Caim, já que ele habita em todos nós, devemos escolher não ser como ele. Devemos escolher a vida oferecida em Cristo, e não o mundo de morte que nos rodeia naturalmente.
Amar significa viver e dar vida. Viver a única verdadeira vida, que é a vida eterna. Recebê-la sempre, mesmo se não merecemos, e comunicá-la a outros, pobres como nós. É possível que esta carta se oponha às ideias de alguns cristãos que, na procura de pensamentos espirituais superiores, sentiram que estavam acima do crente comum, e desprezaram gestos como o de abrirem os seus corações e partilharem as suas posses (v.17).
O amor tem sempre um movimento descendente. Nunca está satisfeito com palavras, ideias ou sentimentos. É tocado pela verdadeira miséria que vê, que o perturba. Procura formas de lidar com isso. Oferece-se incansavelmente e nunca recua perante o mais humilde e penoso trabalho.
No entanto, S. João liga esta necessidade de fazer prova do amor pela ação com um apelo urgente ao amor «com verdade» (v.18). Mas com isso ele não quer dizer que, acima de tudo, o amor deva ser sincero e passar no teste da verdade. Para ele a palavra «verdade» aponta para o que Deus mostrou de si próprio, para o modo como Jesus mostrou o que é o amor (v.16).
Apesar de todos termos algumas noções sobre o amor e a ele aspirarmos, não sabemos, na realidade, o que o amor é. Nem sempre aquilo a que chamamos amor é, de facto, amor. Para descobrirmos tudo o que a palavra abarca temos que olhar cuidadosamente para o exemplo de Jesus, que nunca se coloca acima dos seus irmãos e que, além disso, não hesitou em dar a sua vida. A verdade do nosso amor não é avaliada exclusivamente com critérios puramente psicológicos ou humanos. Consiste no que Jesus nos permitiu ver e perceber.
Poderíamos resumir a passagem dizendo que amar significa escolher a vida e a verdade. Se estas palavras já não possuem a plenitude e a profundidade do significado que tiveram para João, tornemo-las, ainda assim, atrativas dando-lhes a frescura e amplidão reveladas em Jesus.
Para rezar :
- Se para os Cristãos amar é uma tarefa, um mandamento, o que fazer para se ter uma certeza cada vez maior de que nada é tão belo como amar – tendo em conta que o amor conquista a morte?
- Como podemos enraizar cada vez mais o nosso amor pelos outros numa vida verdadeira?
-Como podemos orientá-la de acordo com a verdade do Evangelho?
post:Pe.Emílio Carlos+
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