“Filho, os teus pecados estão perdoados.” Mc 2, 5
“Levantei-me e comecei a andar…”
Eu não sabia para onde me levavam aqueles amigos que entraram, intempestivamente, na minha pobre casa. Traziam um sorriso na cara mas ficaram calados às minhas perguntas. Que ia ser uma surpresa, disseram à minha família. E levaram-me apressados. Eu não gostava de surpresas. Desde o acidente que me tinha deixado assim, feito um monte de trapos, vivia um inferno em vida. A precisar sempre de todos, até para comer. E sem poder fazer nada por ninguém. Alguns diziam que tinha sido um castigo pelos pecados de um antepassado, outros que eu devia dar graças a Deus por estar vivo. Mas crescia em mim uma raiva contra a vida e até contra Deus. Sofria e fazia sofrer os que tanto me queriam.
Fui todo o caminho a barafustar com eles. O seu passo apressado não enganava: queriam levar-me a algum lugar. Comecei a sentir o barulho de muita gente mas, deitado como estava, só via o céu azul que, nesse dia estava tão bonito. A certa altura pararam porque a casa onde queriam levar-me estava rodeada por uma grande multidão. Silenciosos escutavam alguém cuja voz me chegava ténue. Não percebia o que dizia mas as suas palavras eram como as ondas suaves e frescas do mar da Galileia ou o chilrear matutino dos pássaros. Pedi para me baixarem só que eles tinham outra coisa em mente. Rodeámos a multidão e, por detrás da casa, começaram a subir comigo para um terraço vizinho. E eis-me feito alpinista involuntário. Dali passaram ao telhado da casa em que a voz abraçava o silêncio. E, abrindo um buraco no tecto, começaram a descer-me com umas cordas mesmo diante daquele homem que via pela primeira vez. Eu estava duplamente paralisado. Zangado com os amigos atrevidos, envergonhado por aquela exposição pública da minha miséria, com medo daquele homem que calava as multidões, tinha o coração a bater como o ribombar de trovões.
Ele olhou para mim e viu-me por dentro. Com a delicadeza de quem olha para lá das aparências, com um olhar que curava as muitas feridas abertas e me abraçava como ninguém tinha feito nunca. Chamou-me “filho” sem nunca o ter visto antes e era a palavra mais certa para dizer como estava a nascer de novo. Disse que os meus pecados estavam perdoados. E eu que julgava que os pecados eram mais dos outros, da sociedade que não era justa, das injustiças que eram sempre anónimas, baixei à minha miséria mas a sua mão levantou-me e senti-me de pé mesmo continuando deitado. Não dei conta do burburinho que se armou. A ordem que me deu parecia natural. Quando o meu corpo ganhou forças para se erguer já eu corria pelos campos e ia abraçar os meus.
Desde então não me canso de falar d’Ele. Em especial aos paralíticos do corpo e também aos da alma, pois não basta ter pernas para saber andar. Todas as prisões têm uma porta para entrar e para sair. E se estiver muito aferrolhada, há sempre um tecto que pode ser esburacado. É verdade, tenho criado várias associações de amigos dos paralíticos! Atrevidos para levar todos até Jesus!
P. Vítor Gonçalves
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