O amor da cruz do meu Senhor atrai-me cada vez mais nestes dias. Ó Jesus bendito, que isto não seja um fogo inútil, que se apague com a primeira chuva, mas um incêndio que arda sempre sem nunca se consumir. Nestes dias encontrei outra bela oração, que corresponde perfeitamente à minha situação actual [...]: Ó Jesus, meu amor crucificado, adoro-Te em todas as Tuas penas. [...] Abraço de todo o coração, por Teu amor, todas as cruzes de corpo e de espírito que me sobrevierem. E faço profissão de pôr toda a minha glória, o meu tesouro e a minha alegria na Tua cruz, ou seja, nas humilhações e nos sofrimentos, dizendo com São Paulo: 'Quanto a mim, não me glorie, a não ser na cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo' (Gal 6, 14). Não quero para mim outro paraíso neste mundo que não seja a cruz do meu Senhor Jesus Cristo. [...] Tudo me convence de que o Senhor me quer todo para Si, pelo caminho real da cruz. Por este caminho, e não por outro, desejo avançar. [...]
Uma nota característica deste retiro espiritual tem sido uma grande paz e alegria interior, que me encoraja a oferecer-me ao Senhor, em ordem a qualquer sacrifício que Ele queira pedir-me. Desejo que esta tranquilidade e esta alegria penetrem cada vez mais, por dentro e por fora, toda a minha pessoa e toda a minha vida. [...] Terei muito cuidado na guarda deste gozo interior e exterior. [...] Para mim, deve ser um convite perene a imagem de São Francisco de Sales que, entre outras, gosto de repetir: eu sou como um passarinho que canta num bosque de espinhos. Assim, pois, poucas confidências sobre o que possa fazer-me sofrer. Muita discrição e indulgência no meu juízo acerca das pessoas e das situações; inclinação para orar especialmente por quem for para mim motivo de sofrimento; e, em tudo, grande bondade e paciência sem limites, lembrando-me de que qualquer outro sentimento [...] não está de acordo com o espírito do Evangelho nem da perfeição evangélica. Prefiro ser considerado um pobre homem, desde que, a qualquer preço, faça triunfar a caridade. Deixar-me-ei esmagar, mas quero ser paciente e bom até ao heroísmo.
Bem-aventurado João XXIII (1881-1963), papa
Diário da alma, 1930, retiro em Rusciuk
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