Identidade
Quando
não sabemos quem somos e pensamos que sabemos, ou fingimos para nós
mesmos saber, cheios de certezas mal trabalhadas e aparente controle
sobre a situação, alguma coisa está fora de lugar.
Quando não sabemos
quem somos está tudo tão fora de sítio que a vida acaba por se tornar um
comboio em permanente descarrilamento. Porque a questão da identidade
individual é o pilar da nossa construção pessoal e do que nos damos no
mundo dos outros, porque sem essa estrutura assente e consolidada, somos
pouco mais do que plasticina ao sol.
Porque é a nossa identidade que nos
define no que existimos nos outros. Se ela é vivida de forma
intermitente, ou tão superficialmente como uma imagem num espelho, mais
tarde ou mais cedo, surgem a dúvida e a insegurança de um lado e do
outro do espelho. Se não sabemos quem somos, tendemos a acreditar que os
outros divagam na mesma incerteza, porque queremos estar acompanhados
na nossa angústia, porque não gostamos de ser nós o problema, porque
temos dificuldade em assumir que ainda não chegámos onde julgamos estar
interiormente, porque tal dói e é muito incômodo.
Para quem observa não é
menos incômodo nem menos doloroso, porque é inevitável o desconforto e a
insegurança desse território estranho e indecifrável que fica no canto
mais recôndito do ser, sem caminho certo para lá chegar.
Porque as
identidades não estruturadas, ou assumidas com pés de barro, são limbos
de sofrimento agravado, cada vez mais profundo, por tudo quanto falha, e não se assume, pelo
caminho da responsabilidade própria. Porque o peso, cada vez mais
pesado, que vamos acumulando e carregando sobre os ombros, não se dilui
nem desaparece no conforto, aparente e ilusório, de acreditar que se é
vítima e que a responsabilidade não nos pertence.
Todos os erros que
cometemos podem ser "endireitados", a não ser o crime supremo de tirar a
vida a alguém.
A identidade adulta é a pessoa precisamente não se fazer de vítima. É
tomar o controlo reconhecendo em que é que o outro é mais forte, e não
ter de competir, para além da nossa própria força.
A identidade adulta é
assumir o compromisso do equilíbrio. Porque há tanta coisa que
aprendemos tarde, mas raramente é tarde demais se a pessoa pensar que o
que aprendeu, e conquistou em si mesmo, não se reflete nem se esgota no
'hoje', mas vale para a vida inteira.
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