21º
DOMINGO TEMPO COMUM – ANO B
26 DE AGOSTO DE 2012
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“O Senhor
pousa seus olhos sobre os justos”
(Sl 33,16)
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Leituras:
Josué 24,1-2a. 15-17.18b;
Salmo 33 (34);
Carta de São Paulo aos Efésios 5,
21-32;
João 6, 60-69 (“Senhor, a quem iremos?”).
COR LITÚRGICA: Verde
Nesta páscoa semanal vemos que
após os sinais, o anúncio e as propostas de Jesus sobre o pão da vida, alguns
discípulos o abandonam, porque acham suas palavras duras e exigentes. Pedro
responde decididamente a pergunta de Jesus. Ele representa a comunidade que se
decide pelo seguimento do Mestre. Hoje, último domingo de agosto, comemoramos,
de modo especial, a missão dos catequistas e de todas as pessoas que se dedicam
à ação evangelizadora em nossas comunidades.
1. Situando-nos
brevemente
É uma graça e uma benção estarmos reunidos, celebrando o
mistério pascal de Cristo acontecendo em nossa vida e em nosso trabalho. Na
Páscoa de Jesus, Deus revelou a sua opção pela humanidade. Jesus venceu, pela
cruz, todos os limites que impedem a vida humana de ser feliz e divina.
No centro do Evangelho, está Pedro, que, questionado por
Jesus, o identifica como Filho de Deus. E, falando em nome do grupo, decide
seguir Jesus: “A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna. Nós
cremos firmemente e reconhecemos que Tu és o Santo de Deus”.
Damos graças por essa opção de Deus por nós e pela
presença da páscoa libertadora. Abrimos o coração à interpelação que Jesus nos
faz, como fez a Pedro, e, a exemplo dos apóstolos, queremos estar com ele no caminho
e na luta por uma sociedade diferente, nova e fraterna. Ele nos encoraja a
abandonar os ídolos, que nos levam à destruição e à morte.
No último domingo de agosto, lembramos a missão dos
catequistas e de todas as pessoas que se dedicam à ação evangelizadora em
nossas comunidades e no mundo.
2. Recordando a
Palavra
A leitura de Josué lembra que
estamos nos anos que se seguiram à entrada do povo na Terra Prometida. Moisés
já havia morrido. Josué assume a liderança. Tempos difíceis e com muitas
incertezas, por causa do contato do povo com muitos deuses no tempo de
escravidão, conservando muitas simpatias no coração por alguns deles.
Josué, depois das conquistas e
organizações iniciais, reúne o povo para conservar com ele sobre qual Deus
seria o deus oficial. E para não ficarem dúvidas e muito menos inseguranças,
exige uma resposta clara, firme e definitiva do povo.
Isso, à primeira vista, parece
estranho, uma vez que, no Egito e durante o êxodo, Javé se manifestara
libertador, amigo do povo, selando com ele uma aliança no Sinai. Mas os tempos
mudaram. A situação econômica era outra, a realidade política tão diferente e
as ambições começaram afetar as relações sociais e religiosas. Muitos se
perguntavam se Javé deveria continuar sendo o Deus único e capaz de ajudar
Israel.
Josué, diante da nova situação,
organiza a assembléia de Siquém, reunião constitutiva do povo. É o ponto de
partida de um movimentado que tem raiz no êxodo. Todos devem aceitar sua nova
identidade de povo da aliança, com repercussões na vida social e política, bem
como cultural e religiosa. Exige uma escolha sem rodeios: “Se vos desagrada
servir ao Senhor, escolhei hoje a quem quereis servir... Porque, quanto a mim,
eu e minha casa serviremos ao Senhor”.
E o povo respondeu sem hesitação:
“Longe de nós abandonarmos o Senhor; temos certeza que não há Deus melhor do
que Ele”.
As palavras “nos tirou, a nós e a
nossos pais...” , tantas vezes repetidas, se referem ao povo reunido em Siquém
que não esteve no Egito e, em sua maioria, não passou pelo deserto. Mas todos
estavam lá, na casa da escravidão, e todos foram libertos. É a fé em Deus
aliado dos pobres, e não o sangue que nos une nessa aliança tribal.
O tema central da assembléia de
Siquém é fazer a opção consciente de quem o povo deseja servir. Opta pelo Deus
do êxodo: aquele que vê a opressão do povo, que ouve o grito de dor e conhece
seus sofrimentos; que está decidido a descer para libertá-lo do poder dos
opressores (Ex 3, 7-8). É o Deus de seus pais, o Deus da história. Os deuses
“estranhos”, imagens corrompidas de Deus, geram escravidão e morte.
O Salmo 33 (34) constitui uma ação
de graças, pela presença e ação libertadora de Deus. Ele escuta a oração dos
simples e se faz próximo dos seus sofrimentos. Ensina-lhes sabedoria, mata a
sua fome e defende a vida de todos. Por isso, nada falta aos que o procuram e
seguem os seus passos. Ele é a paz e salvação dos justos. O salmista
convida-nos a louvar a Deus com ele e, aludindo ao grande perigo de que foi
libertado, diz-nos como o Senhor é bom e tudo dá aos que o procuram e temem.
Aos Efésios, Paulo sugere
orientações para a vida em família e no relacionamento marido-pessoa. Inserido
na cultura do tempo, considera o marido cabeça da mulher. Entende o
relacionamento homem-mulher na perspectiva da teologia da Igreja, onde Cristo é
a sua cabeça.
Ninguém duvida de que a Igreja deva
se submeter e obedecer a Cristo-cabeça. E se não fizer isso, perde a sua
identidade e razão de ser. Obviamente que, hoje, o mesmo não se pode afirmar na
relação marido-esposa.
Mas qual o significado da
expressão: “Sejam submissos uns aos outros por temor a Cristo”? Cristo, na
verdade, é o ponto de partida para todo o tipo de relacionamento entre as
pessoas. E a carta aos Filipenses (2,5-11) explica o sentido do temer a Cristo;
Ele se pôs a serviço de todos, desceu ao nível social último e se fez servo
obediente até a morte, e morte de cruz.
Nesse contexto, fica clara a missão
e a tarefa do marido: “Que os maridos amem as suas esposas como Cristo amou a
Igreja e se entregou por ela. Assim devem os maridos amar suas esposas como a
seus próprios corpos. Quem ama sua esposa, ama a si mesmo”.
Não esqueçamos que o autor, nesta
carta, desenvolve uma teologia da Igreja: Deus revelou todo o mistério de sua
vontade de unir em Cristo todas as coisas.
O Evangelho, conclusão do capítulo
6 de João, mostra como a encarnação e a eucaristia andam de mãos dadas, mexem
com as pessoas e as levam a um posicionamento: aceitam Jesus e se abraçam com
Ele, ou se chocam e escandalizam com Ele e se afastam do seu projeto de vida e
liberdade.
Diga-se de passagem: Jesus, de
fato, frustrou as expectativas e esperanças de muitos. Depois dos milagres,
sinais e prodígios, concluem: “Este é o profeta que devia vir ao mundo...” e
querem agarrá-lo para fazê-lo rei, mas Jesus foge sozinho para a montanha.
Nem todos entenderam a proposta de
Jesus, e Ele passa a atualizar o sentido dos acontecimentos. José Bortolini
resume a explicação de Jesus: “Na pessoa de Jesus, Deus oferece à humanidade um
pão que sustenta para sempre. Esse pão é a pessoa de Jesus, o maior presente
que o Pai fez ao mundo. Quem recebe o pão e o assimila (Eucaristia), descobre
que Deus lhe confia uma tarefa, que é a adesão a Jesus, tornando-se, também,
pão partilhado para a vida de todos (encarnação). Não há meio-tempo: quem
recebe Jesus como pão não pode eximir-se da responsabilidade de ser, como Ele,
pão para a vida dos outros. A Eucaristia e a encarnação põem as pessoas diante
de uma decisão. E aqui surgem muitas crises e abandonos.” (José Bortolini, Roteiros Homiléticos, Anos A, B,C – Festas e
Solenidades; Paulus, São Paulo, 2008, p.429).
De fato, a tentação é buscar uma
religião fácil, sem compromissos nem maiores conseqüências. Mas, no plano de
Deus, essa religião e liturgia não existem. A verdadeira religião é assumir a
prática e a doação de Jesus em favor dos menos favorecidos. Liturgia é memória
e mergulho no mistério do pão partilhado, a Páscoa de Jesus.
Por causa disso, Jesus decepcionou
muita gente. Ele não procurou a glória das pessoas nem prometeu glória aos seus
seguidores. A realeza e a glória de Jesus consistem em doar-se radicalmente até
esgotar a própria vida.
Eucaristia e glória. O pão não tem
fim em si mesmo. Existe para ser consumido e devolver as forças para quem passa
fome. Os que amam sabem que a vida não tem sentido se não se traduzir em pão,
em dom a ser partilhado com os outros.
E Jesus mostra que a vida é para
ser partilhada, e a morte pode se tornar a maior expressão de amor. Ele não
dispensa ninguém de dar a vida até a morte, se for preciso. Judas, aquele que
entregou Jesus, não entendeu a vida como oferta para os outros. Mas viu a vida
como um bem a ser conservado egoisticamente. Em vez de doar a sua vida,
entregou Jesus à morte. Ou seja, faz a opção pela morte.
Jesus, antes de elevar-se para a
glória de Deus, assume a cruz, numa oferta total de sua vida. Sua “subida” é o
gesto supremo de serviço à humanidade que precisa de paz, de reconciliação e de
alegria. Muitos o entenderam. Outros não, e, por isso, deixaram de segui-lo,
porque sua proposta foi tornando-se muito exigente, humanamente inaceitável.
Confessar que Jesus é o “santo de
Deus” e reconhecer que não há outro caminho significa aderir a Ele, continuando
e realizando o que Ele fez como peregrino e missionário do Pai.
3. Atualizando a
Palavra
Há uma pergunta nos bastidores da Igreja e na
consciência dos cristãos: o que significa e implica servir ao Deus verdadeiro,
nos dias de hoje?
É duro admitir que a fé na Eucaristia não seja
unicamente crer na presença de Jesus nas espécies do pão e vinho, mas também no
pobre, no aleijado, no espoliado, no maltrapilho, e que Ele encarna-se na realidade
concreta das pessoas.
O que significa ser pão para os outros? Por que muita
gente se escandaliza e cai fora quando mostramos os compromissos da Eucaristia?
Aparece hoje um certo “espiritualismo eucarístico” que esconde e escamoteia a
encarnação de Jesus no contexto histórico.
A fé exige decisão e adesão sem reservas àquele cujas
palavras prometem e comunicam a vida eterna. Jesus é efetivamente o enviado que
Deus consagrou. A escolha para segui-lo não suprime a liberdade e não impede a
possibilidade de traição. Seguir Jesus impõe condições que nem todos aceitam.
Servir o Senhor da vida é penoso e exigente, e podemos sucumbir à tentação de
“ir embora” e largar o seguimento.
Hoje existem formas discretas de nos retirar da
caminhada sem dar muito na vista: ficar na comunidade sem assumir ou sem se
importar com o projeto de Jesus, vivendo uma religião como rotina, para ter a
consciência em paz; escolher trechos mais convenientes do Evangelho e fingir
não ver as exigências cristãs da caridade, da justiça e da ação transformadora
da sociedade; inventar um Jesus a nosso gosto, que nos incomode pouco, ou nada,
e faça sempre a “nossa vontade”.
Será que é possível se dizer cristão, freqüentar a
igreja, sem de fato ter tomado uma decisão verdadeira de seguimento a Jesus e
de compromisso com o seu projeto?
4. Ligando a Palavra e
a Eucaristia
Na celebração, nos abrimos ao convite que o Senhor nos
faz pela Palavra a uma opção decisiva por Ele, superando os estímulos da
“carne” para viver no espírito. Professamos nossa fé inspirada na afirmação de
Pedro. “A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna. Nós cremos
firmemente e reconhecemos que tu és o santo de Deus”.
Na liturgia eucarística, fazemos memória da doação e
entrega de Jesus por nós. Rendemos graças por tamanho gesto de bondade e
generosidade. Agradecemos ao Pai, que, em Jesus, fez uma opção amorosa e
comprometedora pela humanidade. Ao celebrar o “mistério da fé”, somos
provocados a superar as aparências e olhar com os olhos da fé o mistério de
nossa vida e da vida dos irmãos e irmãs.
Suplicamos que Ele nos ensine a não fugirmos dos conflitos
e a não perdemos a alegria de viver, apesar das dificuldades encontradas em
nosso caminho. Buscamos forças e inspiração para a nossa maior e mais radical
doação em prol de um projeto de vida para todos.
A Eucaristia nos coloca diante de Cristo e nos pede uma
opção pronta e decisiva. A Palavra proclamada é luz, e o pão que recebemos é
força e alimento, em vista de uma resposta positiva e responsável.
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