Façamos uma tentativa de entrar nesta atmosfera contemplativa, que é o coração de nosso Senhor Jesus Cristo, uma chaga de amor, na qual nos escondemos e deixar que Ele se esconda em nossas chagas mais secretíssimas da alma, pois a contemplação é essencialmente uma relação amorosa.
Entre outras coisas, escreveu Santa Clara à sua amiga, Inês de Praga: “Ama totalmente aquele que totalmente se deu por teu amor, aquele cuja beleza o sol e a lua admiram e cuja generosidade, preciosidade e grandeza não têm limites” (3ª Carta a Inês de Praga, 3).
Contemplação é o abraço dado ao amado, cuja beleza ultrapassa a magnificência da Criação.
A união entre “beleza” e “amor íntimo” é a característica do tipo de contemplação, chamada também de “mística nupcial”, que impregnou a vida dos místicos.
Pois os céus e todas as outras criaturas não conseguem conter o Criador, mas somente a alma do homem fiel pode ser sua mansão e sua morada. Isto é apenas possível pela caridade, da qual estão privados os ímpios.
“Beleza”, “amor íntimo”, “relação vivida com Cristo”, “mística nupcial”, “co-habitação de Deus na alma”, são as expressões mais importantes que marcam a vida de contemplação.
Basta um exemplo:
“Observa, considera, contempla aquele que, por tua salvação, se fez o mais desprezado dos homens. Ó rainha muito nobre, não desejeis outra coisa, senão imitar o teu esposo... que foi rejeitado Põe a tua mente naquele que é o espelho da eternidade, e a tua alma no esplendor da sua glória. Põe o teu coração naquele em quem o vigor de Deus se tornou visível e transforma-te, pela contemplação, em imagem perfeita da própria divindade”.(Santa Clara -2ª Carta a Inês de Praga, 3)
Resumindo, pode-se dizer: contemplação é a admiração que brota espontaneamente do coração, transformando-se em seguida em louvor e agradecimento.
Significa igualmente, pacificar-se e mergulhar em Deus, com quem fomos reconciliados por Cristo através de suas santas chagas, seu coração transpassado, fenda em que podemos nos esconder e abrigar, onde a salvação se encontra e se dá sem nada reclamar ou pedir.
Contemplação é a ação de Deus em nós.
Nós nos abrimos a Deus a fim de sermos transformados por ele.
Contemplação significa admiração, reverência, bondade, emoção. Faz-nos reconhecer o nosso nada e experimentar o nosso vazio, fazendo-nos, entretanto, simultaneamente conscientes da nossa dignidade.
Contemplação não é outra coisa do que uma total abertura de nosso coração diante de Deus, para Aquele que se abri por nós em suas chagas de amor na cruz.
É verdade que, em alguns momentos, somos inclinados a interpretar a contemplação como uma retirada total, para em seguida querer levar “uma vida angélica”, como essa renúncia total.
Pensava-se poder chegar, ainda neste mundo, a imitar, na medida do possível, a vida dos anjos: contemplando unicamente a Deus, sem se deixar distrair por nenhuma outra coisa, nem se deixar manchar por nada deste mundo.
Além de se tratar de uma ilusão, tal interpretação da vida contemplativa não corresponde às noções básicas do cristianismo.
Preferir não viver apenas para si mesmo, mas para aquele que morreu por todos, e reconhecer que somos mandados para conquistar as almas para Deus e sermos enviados pelo caminho da contemplação, por meio da meditação sobre a vida e Cruz de Jesus Cristo onde tudo nos mostre claramente que Deus deseja a salvação da humanidade isto é uma real contemplação.
Concordância com a vontade de Deus se alcança somente na medida em que o ser humano se preocupa com a redenção do mundo.
Em outras palavras, contemplação deve fundamentar-se em Cristo que sendo homem e Deus, Deus – homem em suas chagas se escondem o mistério do amor , da entrega e de nossa mais pura saciedade Eternidade.
Cristo, por sua vez, viveu pelos homens e por eles morreu.
A pessoa de Jesus, que está bem no centro da contemplação, reconduz todos aqueles que o procuram forçosamente de volta para o mundo não ilusório ou de alienação, mas seu coração exposto e aberto nos fala de uma realidade em que exigirá sempre de nós pés no chão para amar além de nossos próprios limites.
Assim pois esta exclusividade para Deus do contemplativo não exclui a ação, mas a integra.
Portanto, não existe concorrência entre Deus e o mundo.
Para toda pessoa que medita e reza cristãmente, Deus se deixa encontrar em tudo e todos.
Ele está “por detrás” de tudo e acima de tudo. São Paulo encontrou a fórmula mais sucinta para exprimir esta verdade: “Deus é tudo em todos” (I Cor 15, 28).
Ó Deus, qual é o fiel que poderia viver sem amar Jesus Cristo, se meditasse a miúdo na sua paixão?
As chagas de Jesus, diz S. Boaventura, são todas chagas de amor, são dardos e chamas que ferem até os corações mais duros e abrasam as almas mais frias.
O beato Henrique Suso, para melhor imprimir em seu coração o amor a Jesus crucificado, tomou uma vez um ferro cortante e gravou em seu peito o nome de seu amado Senhor, e estando assim banhado em sangue dirigiu-se à igreja e prostrando-se diante do crucifixo, disse-lhe: Ó Senhor, único amor de minha alma, vede o meu desejo, quereria escrever vosso nome dentro de meu coração, mas não posso... Vós, que tudo podeis, supri o que falta às minhas forças e imprimi no mais fundo do meu coração o vosso nome adorável, de tal maneira que não possa ser mais dela apagado nem o vosso nome, nem o vosso amor.
“O meu bem amado é cândido e rosado, eleito entre mil” (Ct 5,10), assim como não podemos imprimir o nome e o coração de Jesus em nosso coração, supliquemos com mais viva fé: “Dentro de vossas santas chagas escondei-me ó Jesus” e esconda eu tuas chagas em mim; São Paulo não diz trazer outras marcas a não ser a do Crucificado.
As Chagas significam que Deus é Senhor de sua vida. Deus encontrou nele a plena abertura e a máxima liberdade para sua Presença.
As Chagas é o de que Deus não é alienação para o ser humano, ao contrário, é sua plena realização e salvação.
Colocando-se como centro da própria vida é que o homem se aliena e se destrói; torna-se absurdo para si mesmo no fechamento do seu ‘ego’.
O homem só encontra sua verdadeira identidade, sua própria consistência e o sentido de sua existência em Deus.
E São Paulo fez esta descoberta: Jesus Cristo foi crucificado em razão de seu amor pela humanidade - "amou-os até o fim" - e ele percorre este mesmo caminho, no qual o cristão deverá percorrer também.
As Chagas expressam que a vivência concreta do amor deixa marcas.
A exemplo de Cristo, Paulo quis suportar/carregar e amar os irmãos para além do bem e do mal (amor incondicional). Essa atitude o levou a respeitar e acolher o ‘negativo’ dos outros mantendo a fraternidade apesar das divisões. Esse acolher e integrar o negativo da vida é a única forma de vencer o ‘diabólico’, rompendo com o farisaísmo e a autosuficiência, aniquilando o mal na própria carne. Só assim, o homem é de fato livre, porque não apenas suporta, mas ama e abraça o negativo que está em si e nos outros.
Seguir o Cristo implica em morrer um pouco a cada dia: "Quem quiser ser meu discípulo, tome a sua cruz a cada dia e me siga" (Lc 9,23).
Não vivemos num mundo que queremos, mas naquele que nos é imposto. Não fazemos tudo o que desejamos, mas aquilo que é possível e permitido.
Somos chamados a viver alegremente mesmo com aquilo que nos incomoda, vencendo-se a si mesmo e integrando o ‘negativo’, de modo que ele seja superado. Nós seremos nós mesmos na mesma medida em que formos capazes de assumir nossa cruz.
As chagas de São Francisco são as Chagas de Cristo, e elas nos desafiam: ninguém pode conservar-se neutro, sem resposta diante da vida.
São Paulo não contentou-se em unicamente seguir o Cristo. Como nos diz São Bernardo “não é suficiente seguir a Cristo, mas alcançá-lo”, assim Paulo no seu encantamento com a pessoa do Filho de Deus, assemelhou-se e configurou-se com Ele. Este seu modo de viver está o de vencer-se a si mesmo, porque dos todos outros dons não podemos nos gloriar, mas na cruz da tribulação de cada sofrimento nós podemos nos gloriar porque isso é nosso.
“Para remir o servo nem o Pai poupou o Filho, nem o Filho poupou-se a si mesmo”, diz S. Bernardo (Serm. de passagem.).
E depois de um tão grande amor para com os homens poderá haver alguém que não ame a esse Deus tão amante?
Escreve o Apóstolo que Jesus morreu por nós todos, para que nós vivamos somente para ele e seu amor: “Por todos morreu Cristo, para que os que vivem, não vivam mais para si, mas para aquele que morreu por eles” (2Cor 5,15).
Sinto que me dizeis: “Põe-me como selo sobre o teu coração” (Ct 8,6).
Sim, meu Jesus Crucificado, eu vos ponho e peço-vos que vos ponhais a vós mesmo como um selo sobre o meu coração, para que fique fechado a todo outro afeto que não tenda para vós.
Nosso papa Bento XVI assegurou, no Domingo de Páscoa, 23 de março de 2008 que Cristo ressuscitado vem curar as chagas “abertas e dolorosas” da humanidade.
“Chagas que dilaceram almas e corpos de numerosos dos nossos irmãos e irmãs. “Elas esperam ser sanadas e curadas pelas chagas gloriosas do Senhor ressuscitado e pela solidariedade dos que, sobre o seu rasto e em seu nome, põem gestos de amor”. Estas chagas que Cristo assumiu por nosso amor, nos ajudam a entender quem é Deus e a repetir também: “Meu Senhor, e meu Deus”.
Somente um Deus que nos ama a ponto de carregar sobre si com as nossas feridas e nossa dor, sobretudo a dor inocente, é digno de fé.
Com minha benção
Pe.Emílio Carlos+
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