Essa voz, além de me irritar, me deixava insatisfeito em relação à palavra de Paulo que dizia: “Aquele que está em Cristo é uma nova criatura” (2Cor 5,17). Ora, para mim, nova criatura significava nova criatura. No homem novo, na minha pequena visão, não tinha espaço para o velho. Na minha mentalidade, tornar-me nova criatura era ser algo completamente diferente daquilo que eu era. Ou seja, eu imaginava, na minha ignorância das coisas espirituais, que eu deixaria de sentir tudo aquilo que era inclinação para o mal, e, como nova criatura, somente tenderia para o bem, para as coisas louváveis. Que ilusão!
Com o passar do tempo, percebi que a caminhada espiritual não se trata de deixar de “ser” algo, e sim deixar de “estar”. Se pararmos para pensar, “ser” e “estar” são bem diferentes quando se trata de caminhada cristã. Quando dizemos que alguém está enfermo, significa que seu corpo está invadido por uma enfermidade causada por bactérias, ou até mesmo pelo seu próprio organismo, como o câncer. No câncer, as próprias células do indivíduo se alteram e, de forma incontrolada, se multiplicam rapidamente tomando proporções gigantescas e impedindo as funções de órgãos saudáveis. O único jeito é combatê-lo sem dó nem piedade através de tratamentos com quimioterápicos ou cirurgias.
Dizer que alguém está com câncer, não é o mesmo que dizer que uma pessoa é câncer. Seria estranho ver um câncer andando por aí como se fosse gente. A pessoa está com câncer, e estar, segundo o dicionário, significa achar-se em certa condição. Ora, a pessoa acha-se na condição de gripada, mas ela não é gripe. E mesmo após curar-se, ela encontra-se suscetível a uma nova gripe caso sua resistência fique baixa. A pessoa acha-se na posição cancerosa, mas não é câncer.
O ser humano acha-se na condição de pecado, mas não é pecado. Está na condição de pecador.
Estar é diferente de ser justamente porque ser, envolve a essência, a substância, e o estar envolve tempo, condição que passa.
Através dessa pequena reflexão lógica, comecei a imaginar como seria a peripécia de deixar de ser homem velho para ser homem novo. Mas, se deixarmos apenas nos conduzir pela lógica, ao invés de belas reflexões levantaremos heresias.
É preciso unir a reflexão à Graça. Somente sob a luz do Espírito Santo que resplandece na Igreja é que poderemos enxergar a Verdade, sem a qual ninguém se santifica. O catecismo da Igreja Católica é claríssimo ao afirmar que o pecado original “é a privação da santidade e da justiça originais, mas a natureza humana não é totalmente corrompida: ela é lesada em suas próprias forças naturais, submetida à ignorância, ao sofrimento e ao império da morte, e inclinada ao pecado (esta propensão ao mal é chamada concupiscência)” (CIC 405). Portanto, é possível afirmar que a humanidade, devido ao pecado, está na condição de enferma espiritualmente falando, privada da graça de Deus (cf.Rm 3,23).
O catecismo continua de forma claríssima afirmando que “O Batismo, ao conferir a vida da graça de Cristo, apaga o pecado original e faz o homem voltar para Deus. Porém, as conseqüências de tal pecado sobre a natureza, enfraquecida e inclinada ao mal, permanecem no homem e o incitam ao combate espiritual” (CIC 405). Portanto, seria uma ilusão imaginarmos que já aqui nesta terra deixaríamos de escutar a voz do homem velho clamando dentro de nós.
A Igreja, mostra de forma maravilhosa que, enquanto caminharmos nesta terra, estaremos na condição de combatentes, deixando a condição de escravos para assumir a condição de valentes guerreiros. O próprio Catecismo diz que: “Ignorar que o homem tem uma natureza lesada, inclinada ao mal, dá lugar a graves erros no campo da educação, da política, da ação social e dos costumes” (CIC 407). O que não falta nos dias de hoje são pessoas querendo abolir tais ensinamentos.
Hoje vivemos uma onda de “novas descobertas”, querem redescobrir tudo, até mesmo o Evangelho. Engraçado que a dois mil anos a Igreja se debruça sobre a Revelação, e apenas agora, em poucos anos se “descobrem” tantas coisas. Na verdade, não estão descobrindo nada a não ser sua própria vergonha. São especuladores que querem ensinar o errado para não serem censurados ao fazerem o mesmo. Querendo viver na condição de homem velho, estão aí a legitimar tudo o que é pecado com aqueles falsos discursos de que “hoje em dia a Igreja não vê mais isso como pecado”. Essa frase me arrepia dos pés à cabeça. Ora, o catecismo da Igreja não mudou em nada o que é pecado. Os dez mandamentos são os mesmos desde os tempos de Moisés.
Esses astutos, vendidos ao demônio, em nome do progresso e da modernidade, vivendo em tempos “contemporâneos”, como gostam de dizer, estão fazendo discípulos para si, arrastando para o pecado aqueles que mal saíram dos vícios (cf. 2Ped 2,14). A eles cabe também a advertência do Profeta: “Ai daquele que dá de beber aos outros, misturando (à bebida) um veneno que os embriague, para ver a sua nudez!” (Hab 2,15). Afinal, ao ensinar que pecado não é pecado, viverão suas orgias sem o menor pudor.
O importante é ficarmos com a Igreja, e ela diz categoricamente,
“Uma luta árdua contra o poder das trevas perpassa a história universal da humanidade. Iniciada desde a origem do mundo, vai durar até o último dia, segundo as palavras do Senhor. Inserido nesta batalha, o homem deve lutar sempre para aderir ao bem; não consegue alcançar a unidade interior senão com grandes labutas e o auxílio da graça de Deus” (GS 37,2 apud CIC 409).
Estamos na condição de combatentes, nos esforçando a cada dia para agirmos como novas criaturas, não mais submissos ao poder das trevas e sim, libertos para realizar plenamente a vontade de Cristo Jesus, para sermos o que de fato somos chamados a ser: “filhos de Deus” (cf. 1Jo 3,2), e que se manifestará plenamente na eternidade com Deus.
Gosto muito do livro Diálogo de Santa Catarina de Sena. Lá, Deus nos dá a entender certas passagens da escritura que são muito difíceis. Até São Pedro afirmou ser difícil compreender certos escritos de Paulo (2Ped 3,16). Lá em Catarina, compreendi esta dimensão da luta que travamos contra o homem velho e a angústia que vive a alma nesta vida, impedida pela condição humana, de experimentar plenamente a visão beatífica de Deus e contemplar sua essência. E é justamente sobre isso que falaremos na continuação deste artigo.
(Marcos Sampaio Rus Barbosa-Psicologo)
com minha benção
Pe.Emílio Carlos+
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