18º Domingo do Tempo
Comum- ANO B
A nossa adesão a Jesus deve partir de uma profunda convicção
só Ele é o “pão” que nos dá vida.
A liturgia do 18º Domingo do
Tempo Comum repete, no essencial, a mensagem das leituras do passado domingo.
Assegura-nos que Deus está empenhado em oferecer ao seu Povo o alimento que dá
a vida eterna e definitiva.
A primeira leitura dá-nos conta
da preocupação de Deus em oferecer ao seu Povo, com solicitude e amor, o
alimento que dá vida. A ação de Deus não vai, apenas, no sentido de satisfazer
a fome física do seu Povo; mas pretende também (e principalmente) ajudar o Povo
a crescer, a amadurecer, a superar mentalidades estreitas e egoístas, a sair do
seu fechamento e a tomar consciência de outros valores.
No Evangelho, Jesus apresenta-Se
como o “pão” da vida que desceu do céu para dar vida ao mundo. Aos que O
seguem, Jesus pede que aceitem esse “pão” – isto é, que escutem as palavras que
Ele diz, que as acolham no seu coração, que aceitem os seus valores, que adiram
à sua proposta.
A segunda leitura diz-nos que a
adesão a Jesus implica o deixar de ser homem velho e o passar a ser homem novo.
Aquele que aceita Jesus como o “pão” que dá vida e adere a Ele, passa a ser uma
outra pessoa. O encontro com Cristo deve significar, para qualquer homem, uma
mudança radical, um jeito completamente diferente de se situar face a Deus,
face aos irmãos, face a si próprio e face ao mundo.
LEITURA I – Ex 16,2-4.12-15
A secção de Ex 15,22-18,27
desenvolve um dos grandes temas do Pentateuco: a marcha pelo deserto. Aqui
estamos, ainda, na primeira etapa dessa marcha – a que vai desde a passagem do
mar, até ao Sinai.
Três dos episódios apresentados
nesta secção tratam o tema da murmuração do Povo (cf. Ex 15,22-27; 16,1-21;
17,1-7). O esquema é simples e é sempre o mesmo: o Povo desconfia e murmura
diante das dificuldades, subleva-se contra Moisés e chega a acusar Deus pelos
desconfortos da caminhada; quando estão prestes a sofrer o castigo pela sua
revolta, Moisés intercede diante do Jahwéh e o Senhor perdoa o pecado do Povo;
finalmente, apesar do pecado, Jahwéh concede ao Povo os bens de que este sente
necessidade. Os relatos apresentam-se sempre de uma forma dramática, com um
crescendo de intensidade até ao desfecho final, que se apresenta sempre na
forma de uma intervenção prodigiosa de Deus, em benefício do seu Povo.
Provavelmente, estes relatos têm
por base elementos de caráter histórico (dificuldades reais sentidas pelos
hebreus que saíram do Egito com Moisés, no seu caminho para a Terra Prometida,
através do deserto do Sinai) e que ficaram na memória coletiva; no entanto, os
catequistas bíblicos estão mais interessados em fazer catequese, do que em
apresentar uma reportagem jornalística da viagem (o episódio mistura uma
catequese “jahwista”, do séc. X a.C. com uma catequese “sacerdotal”, do séc. VI
a.C). A catequese apresentada pretende sempre avisar o Povo contra a tentação
de procurar refúgio e segurança fora de Jahwéh… Aqui, Israel fala em regressar
ao Egipto, onde eram escravos, mas tinham pão e carne em abundância: o Egipto
representa a tentação que o Povo sentiu, em tantas situações da sua história,
de voltar atrás, de abandonar os valores e a vida de Deus, de se instalar
comodamente em esquemas à margem de Deus. O catequista jahwista garante ao seu
Povo que Deus o acompanha sempre ao longo da sua caminhada e que só ele oferece
a Israel vida em abundância.
O episódio que hoje nos é
proposto – o episódio das codornizes e do maná – é situado no deserto de Sin,
“que está entre Elim e o Sinai, no décimo quinto dia do segundo mês após a
saída da terra do Egipto” (Ex 16,1). O deserto de Sin estende-se de
Kadesh-Barnea para ocidente.
A história das codornizes tem por
base um fenômeno que se observa, por vezes, na Península do Sinai: a migração
em massa de codornizes que, depois de atravessar o mar, chegam ao Sinai muito
cansadas da viagem, pousam junto das tendas dos beduínos e deixam-se apanhar
com facilidade. A história do maná deve ter por base uma pequena árvore
(“tamarix mannifera”) existente em certas zonas do Sinai que, após ser picada
por um inseto, segrega uma substância resinosa e espessa que logo se coagula;
os beduínos recolhem, ainda hoje, essa substância (que chamam “man”),
derretem-na ao calor do sol e passam-na sobre o pão.
Vai ser com estes elementos –
elementos que o Povo conheceu e que o impressionaram, ao longo da marcha pelo deserto
– que os catequistas bíblicos vão “amassar” a catequese que nos transmitem no
texto que nos é proposto.
1. O episódio começa com a
murmuração do Povo “contra Moisés e contra Aarão” (vers. 2). Por estranho que
pareça, Israel sente saudades do tempo em que passou no Egipto pois, apesar da
escravidão, estava sentado “ao pé de panelas de carne” e comia “pão com
fartura” (vers. 3). Ao longo da caminhada, vêm ao de cima as limitações e as
deficiências de um grupo humano ainda com mentalidade de escravo, demasiado
“verde” e sem maturidade, agarrado à mesquinhez, ao egoísmo, ao comodismo, que
prefere a escravidão à liberdade. Por outro lado, é um Povo que ainda não
aprendeu a confiar no seu Deus, a segui-lo de olhos fechados, a responder sem
hesitações às suas propostas, a segui-l’O incondicionalmente no caminho da fé.
2. A resposta de Deus é “fazer
chover pão do céu” (vers. 4) e dar ao Povo carne em abundância (vers. 12). O
objetivo de Deus é, não só satisfazer as necessidades materiais do Povo, mas
também revelar-Se como o Deus da bondade e do amor, que cuida do seu Povo, que
está sempre ao seu lado ao longo da caminhada, que milagrosamente entrega de
bandeja a Israel a possibilidade de satisfazer as suas necessidades mais
básicas e de vencer as forças da morte que se ocultam nas areias do deserto.
Dessa forma, o Povo pode fazer uma experiência de encontro e de comunhão com
Deus, que se traduzirá em confiança, em amor, em entrega. O cuidado, a
solicitude e o amor de Deus experimentados nesta “crise”, não só ajudarão o
Povo a sobreviver, mas irão permitir-lhe, também, superar mentalidades
estreitas e egoístas, fazendo-o ver mais além, alargar os horizontes, tornar-se
mais adulto, mais consciente, mais responsável e mais santo. Israel aprende,
assim, a confiar em Deus, a entregar-se nas suas mãos, a não duvidar do seu
amor e fidelidade… Israel aprende, neste percurso, que Jahwéh é a rocha segura
em quem se pode confiar nas crises e dramas da vida.
3. O fato de se dizer que Deus
apenas dava ao Povo a quantidade de maná necessária “para cada dia” (vers.
vers. 4) é uma bonita lição sobre desprendimento e confiança em Deus. Ensina o Povo a
não acumular bens, a não viver para o “ter”, a libertar o coração da ganância e
do desejo de possuir sempre mais, a não viver angustiado com o futuro e com o
dia de amanhã; ensina, também, a confiar em Deus, a entregar-se serenamente nas
suas mãos, a vê-l’O como verdadeira fonte de vida.
ATUALIZAÇÃO
• Mais uma vez, a Palavra de Deus
que nos é proposta dá-nos conta da preocupação de Deus em oferecer ao seu Povo,
com solicitude e amor, o alimento que dá vida. A ação de Deus não vai, apenas,
no sentido de satisfazer a fome física do seu Povo; mas pretende também (e
principalmente) ajudar o Povo a crescer, a amadurecer, a superar mentalidades
estreitas e egoístas, a sair do seu fechamento e a tomar consciência de outros
valores. Para Deus, “alimentar” o Povo é ajudá-lo a descobrir os caminhos que
conduzem à felicidade e à vida verdadeira. O Deus em quem nós acreditamos é o
mesmo Deus que, no deserto, ofereceu a Israel a possibilidade de libertar-se de
uma mentalidade de escravo e de descobrir o caminho para a vida nova da
liberdade e da felicidade… Ele vai conosco ao longo da nossa caminhada pelo
deserto da vida, vê as nossas necessidades, conhece os nossos limites, percebe
a nossa tendência para o egoísmo e o comodismo e, em cada dia, aponta-nos
caminhos novos, convida-nos a ir mais além, mostra-nos como podemos chegar à
terra da liberdade e da vida verdadeira. Este texto fala-nos da solicitude e do
amor com que Deus acompanha a nossa caminhada de todos os dias; convida-nos,
também, a escutar esse Deus, a aceitar as propostas de vida que Ele faz e a
confiar incondicionalmente n’Ele.
• As “saudades” que os israelitas
sentem do Egipto, onde estavam “sentados junto de panelas de carne” e tinham
“pão com fartura”, revelam a realidade de um Povo acomodado à escravidão,
instalado tranquilamente numa vida sem perspectivas e sem saída, incapaz de
arriscar, de enfrentar a novidade, de querer mais, de aceitar a liberdade que
se constrói na luta e no risco. Esta mentalidade de escravidão continua, bem
viva, no nosso mundo… É a mentalidade daqueles que vivem obcecados pelo “ter” e
que são capazes de renunciar à sua dignidade para acumular bens materiais; é a
mentalidade daqueles que trocam valores importantes pelos “cinco minutos de
fama” e de exposição mediática; é a mentalidade daqueles que têm como único objetivo
na vida a satisfação das suas necessidades mais básicas; é a mentalidade
daqueles que se instalam comodamente nos seus esquemas cómodos, nos seus
preconceitos e se recusam a ir mais além, a deixarem-se interpelar pela
novidade e pelos desafios de Deus; é a mentalidade daqueles que vivem voltados
para o passado, que idealizam o passado, recusando-se a enfrentar os desafios
da história e a descobrir o que há de positivo e de desafiante nos novos
tempos; é a mentalidade daqueles que se resignam à mediocridade e que não fazem
nenhum esforço para que a sua vida faça sentido… A Palavra de Deus que nos é
proposta diz-nos: o nosso Deus não Se conforma com a resignação, o comodismo, a
instalação, a mediocridade que fazem de nós escravos e que nos impedem de
chegar à vida verdadeira, plenamente vivida e assumida; Ele vem ao nosso encontro,
desafia-nos a ir mais além, aponta-nos caminhos, convida-nos a crescer e a dar
passos firmes e seguros em direção à liberdade e à vida nova… E, durante o
caminho, nunca estaremos sozinhos, pois Ele vai ao nosso lado.
• A ideia de que Deus dá ao seu
Povo, dia a dia, o pão necessário para a subsistência (proibindo “juntar” mais
do que o necessário para cada dia) pretende ajudar o Povo a libertar-se da
tentação do “ter”, da ganância, da ambição desmedida. É um convite, também a
nós, a não nos deixarmos dominar pelo desejo descontrolado de posse dos bens, a
libertarmos o nosso coração da ganância que nos torna escravos das coisas
materiais, a não vivermos obcecados e angustiados com o futuro, a não
colocarmos na conta bancária a nossa segurança e a nossa esperança. Só Deus é a
nossa segurança, só n’Ele devemos confiar, pois só Ele (e não os bens
materiais) nos liberta e nos leva ao encontro da vida definitiva.
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 77
(78)
Refrão: O Senhor deu-lhes o pão
do céu.
Nós ouvimos e aprendemos,
os nossos pais nos contaram
os louvores do Senhor e o seu
poder
e as maravilhas que Ele realizou.
Deus ordens às nuvens do alto
e abriu as portas do céu;
para alimento fez chover o maná,
deu-lhes o pão do céu.
O homem comeu o pão dos fortes!
Mandou-lhes comida com abundância
e introduziu-os na sua terra
santa,
na montanha que a sua direita
conquistou.
LEITURA II – Ef 4,17.20-24
Continuamos a ler a Carta aos
Efésios, essa “carta circular” que Paulo escreve enquanto está na prisão (em
Roma, durante os anos 61-63?) e que envia a várias comunidades cristãs da parte
ocidental da Ásia Menor. É uma carta (já o dissemos atrás) onde Paulo
apresenta, de forma extremamente serena e refletida, uma teologia amadurecida,
completa, bem elaborada, sobre as exigências da vida nova em Cristo.
A secção da Carta aos Efésios que
vai de 4,1 a
6,20 (já o dissemos também no passado domingo) é um texto parenético, que tem
por objetivo principal exortar os cristãos a viverem de forma coerente com o
seu Batismo e com o seu compromisso com Cristo. Depois de convidar os crentes a
viverem na unidade do amor (cf. Ef 4,1-6) e de lhes apresentar uma reflexão
sobre a comunidade, Corpo de Cristo formado por muitos membros (cf. Ef 4,7-13),
Paulo exorta os cristãos a viverem de acordo com a sua condição de Homens Novos
em Cristo (cf. 4,14-5,14). O texto que nos é hoje proposto como segunda leitura
é parte dessa exortação.
O nosso texto é,
fundamentalmente, um convite – feito com a veemência que Paulo usava sempre nas
suas exortações – a deixar a vida antiga e os esquemas do passado, para abraçar
definitivamente a vida nova que Cristo veio propor.
Paulo usa duas expressões opostas
para definir a realidade do homem antes do encontro com Cristo e depois do
encontro com Cristo. O homem que ainda não aderiu a Cristo é, para Paulo, o
homem velho, cuja vida é marcada pela mediocridade, pela futilidade (vers. 17),
pela corrupção, pela escravidão aos “desejos enganadores” (vers. 22). O homem
que já encontrou Cristo e que aderiu à sua proposta é o homem novo, que vive na
verdade (vers. 21), na justiça e na santidade verdadeiras (vers. 24).
O Batismo – o momento da adesão a
Cristo – é o momento decisivo da transformação do homem velho em homem novo. O
próprio rito do Batismo (o imergir na água significa o morrer para a vida
antiga de pecado; o emergir da água significa o nascimento de um outro homem,
purificado do egoísmo, do orgulho, da auto-suficiência, do pecado) sugere a
transformação e a ressurreição do homem para uma vida nova – a vida em Cristo. A partir daí, o
homem devia adotar uma nova maneira de pensar e de agir, consequência do seu
compromisso com Cristo e com a proposta de vida que Cristo veio apresentar.
Contudo, mesmo depois de ter
optado por Cristo, o homem continua marcado pela sua condição de debilidade e
de fragilidade… Essa condição faz com que, por vezes, sinta a tentação de
regressar ao homem velho do egoísmo, do orgulho, do pecado… O crente, animado
pelo Espírito é, portanto, chamado a renovar cada dia a sua adesão a Cristo e a
construir a sua existência de forma coerente com os compromissos que assumiu no
dia do seu Batismo. O homem novo não é uma realidade adquirida de uma vez por
todas, no dia em que se optou por Cristo; mas é uma realidade continuamente a
fazer-se, que exige um trabalho contínuo e uma constante renovação.
ATUALIZAÇÃO
• O cristão é, antes de mais,
alguém que encontrou Cristo, que escutou o seu chamamento, que aderiu à sua
proposta. A consequência dessa adesão é passar a viver de uma forma diferente,
de acordo com valores diferentes, e com uma outra mentalidade. O encontro com
Cristo deve significar, para qualquer homem, uma mudança radical, um jeito
completamente diferente de se situar face a Deus, face aos irmãos, face a si
próprio e face ao mundo. Antes de mais devemos tomar consciência de que também
nós encontramos Cristo, fomos chamados por Ele, aderimos à sua proposta e
assumimos com Ele um compromisso. O momento do nosso Batismo não foi um momento
de folclore religioso ou uma ocasião para cumprir um rito cultural qualquer;
mas foi um verdadeiro momento de encontro com Cristo, de compromisso com Ele e
o início de uma caminhada que Deus nos chama a percorrer, com coerência, pela
vida fora, até chegarmos ao homem novo.
• Paulo convida insistentemente
os crentes a deixar a vida do homem velho… O homem velho é o homem dominado
pelo egoísmo, pelo orgulho, que vive de coração fechado a Deus e aos irmãos,
que vive instalado em esquemas de opressão e de injustiça, que gasta a vida a
correr atrás dos deuses errados (o dinheiro, o poder, o êxito, a moda…), que se
deixa dominar pela cobiça, pela corrupção, pela concupiscência, pela ira, pela
maldade e se recusa a escutar a proposta libertadora que Deus lhe apresenta.
Provavelmente, não nos revemos na totalidade deste quadro; mas não teremos
momentos em que construímos a nossa vida à margem das propostas de Deus e em que
negligenciamos os valores de Deus para abraçar outros valores que nos
escravizam?
• Paulo apela a que os crentes
vivam a vida do homem novo. O homem novo é o homem continuamente atento às
propostas de Deus, que aceita integrar a família de Deus, que não se conforma
com a maldade, a injustiça, a exploração, a opressão, que procura viver na
verdade, no amor, na justiça, na partilha, no serviço, que pratica obras de
bondade, de misericórdia, de humildade, que dia a dia dá testemunho, com
alegria e simplicidade, dos valores de Deus. É este o meu “projeto” de vida? Os
meus gestos e atitudes de cada dia manifestam a realidade de um homem novo, que
vive em comunhão com Deus e no amor aos irmãos?
• Todos nós, no dia do nosso Batismo,
optamos pelo homem novo… É preciso, no entanto, termos consciência que a
construção do homem novo nunca é um processo acabado… A monotonia, o cansaço,
os problemas da vida, as influências do mundo, a nossa preguiça e o nosso
comodismo levam-nos, muitas vezes, a instalarmo-nos na mediocridade, nas “meias
tintas”, na não exigência, na acomodação; então, o homem velho espreita-nos a
cada esquina e toma conta de nós… Precisamos de ter consciência de que em cada
minuto que passa tudo começa outra vez; precisamos de renovar continuamente as
nossas opções e o nosso compromisso, numa atenção constante ao chamamento de
Deus. O cristão não cruza os braços considerando que já atingiu um nível
satisfatório de perfeição; mas está sempre numa atitude de vigilância e de
conversão, para poder responder adequadamente, em cada instante, aos desafios
sempre novos de Deus.
ALELUIA – Mt 4,4b
Aleluia. Aleluia.
Nem só de pão vive o homem,
mas de toda a palavra que sai da
boca de Deus.
EVANGELHO – Jo 6,24-35
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEipdg8AAIbqBcPaunfi63stLoJu-usiJRy-wIGxZJnN2TUMgWVpvriFPEa4rerf1xBFwKF1IB0cCATL5sAOJNMY4zrOemxiB9EKq_4O1rDs4BhdyElcLyrVMkTYItkRX50NSxU0EmPzWnA/s400/pao_da_vida.gif)
No passado domingo, João
contou-nos como Jesus alimentou a multidão com cinco pães e dois peixes, na
“outra” margem do Lago de Tiberíades (cf. Jo 6,1-15). Ao “cair da tarde” desse
dia, Jesus e os discípulos voltaram a Cafarnaum (cf. Jo 6,16-21).
O episódio que o Evangelho de
hoje nos apresenta situa-nos em Cafarnaum, no “dia seguinte” ao episódio da
multiplicação dos pães e dos peixes. Nessa manhã, a multidão que tinha sido
alimentada pelos pães e pelos peixes multiplicados e que ainda estava do “outro
lado” do lago apercebeu-se de que Jesus tinha regressado a Cafarnaum e
dirigiu-se ao seu encontro.
A multidão encontra Jesus na
sinagoga de Cafarnaum – uma cidade situada na margem ocidental do Lago e à
volta da qual se desenrola uma parte significativa da atividade de Jesus na
Galileia. Confrontado com a multidão, Jesus profere um discurso (cf. Jo
6,22-59) que explica o sentido do gesto precedente (a multiplicação dos pães e
dos peixes).
A cena inicial (vers. 24) parece
sugerir, à primeira vista, que a pregação de Jesus alcançou um êxito total: a
multidão está entusiasmada, procura Jesus com afã e segue-O para todo o lado.
Aparentemente, a missão de Jesus não podia correr melhor.
Contudo, Jesus percebe facilmente
que a multidão está equivocada e que O procura pelas razões erradas. Na
verdade, a multiplicação dos pães e dos peixes pretendeu ser, por parte de
Jesus, uma lição sobre amor, partilha e serviço; mas a multidão não foi
sensível ao significado profundo do gesto, ficou-se pelas aparências e só
percebeu que Jesus podia oferecer-lhe, de forma gratuita, pão em abundância. Assim,
o fato de a multidão procurar Jesus e Se dirigir ao seu encontro não significa
que tenha aderido à sua proposta; significa, apenas, que viu em Jesus um modo
fácil e barato de resolver os seus problemas materiais.
Na verdade, o gesto de repartir
pela multidão os pães e os peixes gerou um perigoso equívoco. Jesus está
consciente de que é preciso desfazer, quanto antes, esse mal-entendido. Por
isso, nem sequer responde à pergunta inicial que Lhe põem (“Mestre, quando
chegaste aqui?” – vers. 25); mas, mal se encontra diante da multidão, procura
esclarecer coisas bem mais importantes do que a hora da sua chegada a
Cafarnaum… As palavras que Jesus dirige àqueles que O rodeiam põem o problema
da seguinte forma: eles não procuram Jesus, mas procuram a resolução dos seus
problemas materiais (vers. 26). Trata-se de uma procura interesseira e egoísta,
que é absolutamente contrária à mensagem que Jesus procurou passar-lhes. Depois
de identificar o problema, Jesus deixa-lhes um aviso: é preciso esforçar-se por
conseguir, não só o alimento que mata a fome física, mas sobretudo o alimento
que sacia a fome de vida que todo o homem tem. A multidão, ao preocupar-se
apenas com a procura do alimento material, está a esquecer o essencial – o
alimento que dá vida definitiva. Esse alimento que dá a vida eterna é o próprio
Jesus que o traz (vers. 27).
O que é preciso fazer para
receber esse pão? – pergunta-se a multidão (vers. 28). A resposta de Jesus é
clara: é preciso aderir a Jesus e ao seu projeto (vers. 28). Na cena da
multiplicação dos pães, a multidão não aderiu ao projeto de Jesus (que falava
de amor, de partilha, de serviço); apenas correu atrás do profeta milagreiro
que distribuía pão e peixes gratuitamente e em abundância… Mas, para receber o
alimento que dá vida eterna e definitiva, é preciso, que a multidão acolha as
propostas de Jesus e aceite viver no amor que se faz dom, na partilha daquilo
que se tem com os irmãos, no serviço simples e humilde aos outros homens. É
acolhendo e interiorizando esse “pão” que se adquire a vida que não acaba.
Os interlocutores de Jesus não
estão, no entanto, convencidos de que esse “pão” garanta a vida definitiva.
Custa-lhes a aceitar que a vida eterna resulte do amor, do serviço, da
partilha. O que é que garante, perguntam eles, que esse seja um caminho
verdadeiro para a vida definitiva (vers. 30)? Qual a prova de que a realização
plena do homem passe pelo dom da própria vida aos demais? Porque é que Jesus
não realiza um gesto espetacular – como Moisés, que fez chover do céu o maná,
não apenas para cinco mil pessoas, mas para todo o Povo e de forma continuada –
para provar que a proposta que Ele faz é verdadeiramente uma proposta geradora
de vida (vers. 31)?
Jesus responde pondo a questão da
seguinte forma: o maná foi um dom de Deus para saciar a fome material do seu
Povo; mas o maná não é esse “pão” que sacia a fome de vida eterna do homem. Só
Deus dá aos homens, de forma contínua, a vida eterna; e esse dom do Pai não
veio ao encontro dos homens através de Moisés, mas através de Jesus (vers.
32-33). Portanto, o importante não é testemunhar gestos espetaculares, que
deslumbram e impressionam mas não mudam nada; mas é acolher a proposta que
Jesus faz e vivê-la nos gestos simples de todos os dias.
A última frase do nosso texto
identifica o próprio Jesus, já não com o “portador” do pão, mas como o próprio
pão que Deus quer oferecer ao seu Povo para lhe saciar a fome e a sede de vida
(vers. 35). “Comê-lo” será escutar a sua Palavra, acolher a sua proposta,
assimilar os seus valores, interiorizar o seu jeito de viver, fazer da vida
(como Jesus fez) um dom total de amor aos irmãos. Seguindo Jesus, acolhendo a
sua proposta no coração e deixando que ela se transforme em gestos concretos de
amor, de partilha, de serviço, o homem encontrará essa “qualidade” de vida que
o leva à sua realização plena, à vida eterna.
ATUALIZAÇÃO
• O caminho que percorremos nesta
terra é sempre um caminho marcado pela procura da nossa realização, da nossa
felicidade, da vida plena e verdadeira. Temos fome de vida, de amor, de
felicidade, de justiça, de paz, de esperança, de transcendência e procuramos,
de mil formas, saciar essa fome; mas continuamos sempre insatisfeitos,
tropeçando na nossa finitude, em respostas parciais, em tentativas falhadas de
realização, em esquemas equívocos, em falsas miragens de felicidade e de
realização, em valores efêmeros, em propostas que parecem sedutoras mas que só
geram escravidão e dependência… Na verdade, o dinheiro, o poder, a realização
profissional, o êxito, o reconhecimento social, os prazeres, os amigos são
valores efêmeros que não chegam para “encher” totalmente a nossa vida e para
lhe dar um sentido pleno. Como podemos “encher” a nossa vida e dar-lhe pleno
significado? Onde encontrar o “pão” que mata a nossa fome de vida?
• Jesus de Nazaré é o “pão de
Deus que desce do céu para dar a vida ao mundo”. É esta a questão central que o
Evangelho deste domingo nos propõe. É em Jesus e através de Jesus que Deus
sacia a fome e a sede dos homens e lhes oferece a vida em plenitude. Isto
leva-nos às seguintes questões: que lugar é que Jesus ocupa na nossa vida? Ele
é, verdadeiramente, a coordenada fundamental à volta da qual construímos a
nossa existência? Para nós, Jesus é uma figura do passado (embora tenha sido um
homem excepcional) que a história absorveu e digeriu, ou é o Deus que continua
vivo e a caminhar ao nosso lado, oferecendo-nos vida em plenitude? Ele é “mais
uma” das nossas referências (ao lado de tantas outras) ou a nossa referência
fundamental? Ele é alguém a quem adoramos, com respeito e à distância, ou o
irmão que nos indica o caminho, que nos propõe valores, que condiciona a nossa
atitude face a Deus, face aos irmãos e face ao mundo?
• O que é preciso fazer para ter
acesso a esse “pão de Deus que desce do céu para dar a vida ao mundo”? De
acordo com o Evangelho deste domingo, a resposta é clara: é preciso aderir
(“acreditar”) a Jesus, o “pão” que o Pai enviou ao mundo para saciar a fome dos
homens. Aderir a Jesus é escutar o seu chamamento, acolher a sua Palavra,
assumir e interiorizar os seus valores, segui-l’O no caminho do amor, da
partilha, do serviço, da entrega da vida a Deus e aos irmãos. Trata-se de uma
adesão que deve ser consequente e traduzir-se em obras concretas. Não chegam
declarações de boas intenções, ou atos institucionais que nos fazem constar dos
livros de registro da nossa paróquia; aderir a Jesus é assumir o seu estilo de
vida e fazer da própria vida um dom de amor, até à morte.
• No Evangelho deste domingo,
Jesus mostra-Se profundamente incomodado quando constata que a multidão o
procura pelas razões erradas e, sem preâmbulos, apressa-Se em desfazer os
equívocos. Ele não quer, de forma nenhuma, que as pessoas O sigam por engano,
ou iludidas. Há, aqui, um convite implícito a repensarmos as razões porque nos
envolvemos com Cristo… É um equívoco procurar o Batismo porque é uma tradição
da nossa cultura; é um equívoco celebrar o matrimônio na Igreja porque, assim,
a cerimônia é mais espetacular e proporciona fotografias mais bonitas; é um
equívoco assumir tarefas na comunidade cristã para nos auto-promovermos ou para
resolvermos os nossos problemas materiais; é um equívoco receber o sacramento
da Ordem porque o sacerdócio nos proporciona uma vida cômoda e tranquila; é um
equívoco praticarmos certos atos de piedade para que Jesus nos recompense, nos
livre de desgraças, nos pague resolvendo algumas das nossas necessidades
materiais… A nossa adesão a Jesus deve partir de uma profunda convicção de que
só Ele é o “pão” que nos dá vida.
• A recusa de Jesus em realizar
gestos espetaculares (como fazer o maná cair do céu), mostra que, normalmente,
Deus não vem ao encontro do homem para lhe oferecer a sua vida em gestos
portentosos, que deixam toda a gente espantada e que testemunham, de forma
inequívoca, a sua presença no mundo; mas Deus atua na vida do homem de forma
discreta, embora duradoura e permanente. Deus vem, todos os dias, ao encontro
do homem e, sem forçar nem se impor, convida-o a escutar a Palavra de Jesus,
propõe-lhe a adesão a Jesus e ao seu projeto, ensina-lhe os caminhos do amor,
da partilha, do serviço. Convém que nos familiarizemos com os métodos de Deus,
para o conseguirmos perceber e encontrar, no caminho da nossa vida.
Nenhum comentário:
Postar um comentário