DOMINGO XXIV COMUM
“Cheio de compaixão, o senhor daquele servo deu-lhe a liberdade e perdoou-lhe a dívida.”
Mt 18, 27
“Forte é quem perdoa”
É de Mohandas Gandhi esta frase: “O fraco nunca perdoa. O perdão é a característica do forte”. E ainda que a mentalidade reinante, talvez não em teoria mas na prática, pareça contradizê-la constantemente, ela mantém a sua força interpeladora. Só o perdão possibilita futuro; enquanto ele não acontece há uma ilusão de progresso mas está-se simplesmente a “patinar”, a construir castelos na areia, a alimentar um monstro dentro de si ou até da sociedade, que mais dia, menos dia, volta a fazer das suas. Vemo-lo na maioria das revoluções políticas: os oprimidos que se revoltam depressa se tornam em novos opressores. E criam a sua corte de “pequenos ditadores” implacáveis e justiceiros, piores até que o senhor a quem dizem servir!
Jesus colocou o perdão na única oração que nos ensinou: “perdoai-nos as nossas ofensas assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido”. É curiosa a imagem de continuidade da ofensa (“nos tem ofendido”), merecendo sempre o perdão. E bem sabemos que é das frases mais difíceis de dizer porque o perdão dá muito trabalho. Na parábola de hoje é quase inimaginável a distância entre a dívida do primeiro homem e a do segundo. Segundo o câmbio da época, dez mil talentos equivalia ao sustento de uma família durante mais de...oitenta e dois mil anos! E, sem pestanejar, o rei, que tinha mandado vender o servo, a família e tudo o que tinha, compadecido pelo seu pedido de um prazo, liberta-o e perdoa-lhe a dívida. Não confundamos com as “fraudes e desvios instituídos” de quem delapida bens públicos sem nunca vir a ser responsabilizado! Aqui trata-se de um amor gratuito e inconcebível para a estreiteza dos nossos corações. Por isso é chocante a falta de compaixão deste servo perdoado para com o seu companheiro que lhe devia cem denários, o equivalente ao sustento de... cinquenta dias! Perdoado em 29930000 dias, incapaz de perdoar 50!
Pois é, o perdão não se entende muito bem com contas. Nasce de uma generosidade que desencadeia gratidão. Que não se “paga para trás” mas para a frente, como exemplificava o belíssimo filme com Kevin Spacey, Helen Hunt e Haley Joel Osmet , “Favores em cadeia”.
A única medida do perdão é a confiança absoluta do perdão de Deus. O egoísmo pode fechar esta comunicação de amor que Deus quer fazer passar por nós. E então tornamo-nos estéreis, azedos, fechados num legalismo gelado, justificando as nossas razões ou endeusando as opiniões que temos dos outros. Há uma corrente de vida e de amor vinda de Deus, que passa pela nossa aprendizagem em perdoar. Mas será que entramos nessa corrente?
- Sentimos a alegria de ser perdoados?
- Ou nem sequer nos julgamos necessitados de perdão?
- Não será mesmo verdade que, forte, e feliz, é quem perdoa?
P. Vítor Gonçalves
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