O Carmelo é uma fonte de espiritualidade para todos na Igreja. Os sacerdotes, combatentes do Reino, sempre estiveram na mente e no coração de Santa Teresa ao iniciar sua obra reformatória. Ela os amou e infundiu em suas filhas e filhos uma predileção por eles. Além dos numerosos sacerdotes seculares e religiosos presentes na sua biografia, Santa Teresa manifesta sua alta consideração por estes homens de Deus.
Antes de tudo, é normal que Teresa compartilhe, desde sua infância e juventude, a idéia que se tem do sacerdote em seu tempo e em sua cidade de Ávila. É possível que até ela chegassem, embora tarde, as idéias debatidas no Concílio de Trento, e inclusive as difundidas por seu admirado mestre, São João de Ávila. Nos escritos teresianos não restam alusões a essas possíveis fontes.
Para ela, o sacerdote não é só um "consagrado", com poderes espirituais recebidos no sacramento da Ordem, mas que o vê integrado em um status social que o coloca acima do vulgo e da nobreza. Situação de "classe social" à parte, especialmente apreciável em Ávila, onde os sacerdotes-cônegos, beneficiados, curas, capelães de ermidas ou de mosteiros, etc. - eram numerosos, com poderes efetivos através do cabido catedrático, e com presença e influência no Conselho da cidade.
No aspecto estritamente religioso, já em seus anos de juventude antes de se fazer religiosa, Teresa teve a ocasião de ler uma espécie de compêndio qualificado de "espiritualidade sacerdotal" nas Cartas de São Jerônimo. Livro decisivo na história de sua vocação (V. 3,7). Na versão castelhana que ela manejou, o tradutor havia organizado o epistolário do Santo estridonense em várias seções, sobre epígrafes indicativas: "cartas do estado eremítico" (dirigidas aos monges), "cartas do estado virginal" (dirigidas às religiosas), etc., e aí uma extensa seção de cartas aos sacerdotes: "Livro 2º, trata do estado eclesiástico, seja dos prelados e pastores da igreja, como dos outros sacerdotes inferiores destes...". Não é inverossímil que algumas das teses doutrinais da Santa acerca da santidade sacerdotal, tenham sua fonte imediata no ideário do Santo ermitão de Belém, ou no famoso texto de santo Agostinho sobre os Pastores, incluído nesta mesma seção do epistolário jeronimiano.
De fato, a idéia que ela tem do sacerdote implica umas quantas conotações que definem o perfil espiritual deste: o sacerdote, segundo ela, deve ser homem de letras; responsável da palavra de Deus, na Sagrada Escritura; responsável de certo modo, das almas confiadas a seu cuidado; sobretudo, responsável da Eucaristia. Especialmente chamado à Santidade. Escreverá ela depois de uma de suas experiências místicas: "Vi com nitidez que os sacerdotes estão mais obrigados a ser bons do que os outros e que é uma coisa terrível receber o Santíssimo Sacramento indignamente..." (V.38,23). Ele é também um crente particularmente vinculado à Igreja. Na mente de Teresa, a Igreja mesma é vista com sumo realismo, não só como mistério de identificação com Cristo Senhor (C.1,2), mas como militância terrena do Povo de Deus, em vista do Reino. Nessa militância, Teresa atribui ao sacerdote responsabilidades especiais de exemplaridade e liderança. Na imagem plástica do "castelinho" com que ela simboliza a Igreja de seu tempo crispada de tensões e ferida de defecções ("igrejas destruídas, tantos sacerdotes perdidos, sacramentos banidos": C.35,3), eles - os sacerdotes - são "os capitães": Cristo é "o capitão do amor", seus embandeirados ("alferes") as contemplativas em oração, "capitães" indispensáveis os sacerdotes: "o que seria dos soldados sem comandantes!... Porque, se não agirem assim, (de serem santos), sequer vão merecer o nome de comandantes; nem permita o Senhor que saiam de suas celas nessas condições, pois provocarão mais danos do que benefícios" (C 3,3).
Nesse mesmo contexto, Teresa delineia desse modo os traços fisionômicos dos sacerdotes apóstolo: "pois a eles cabe animar os fracos e encorajar os pequenos... Estes devem viver entre os homens e tratar com eles, estar nos palácios e, algumas vezes, conformar-se exteriormente com o que exigem... (Hão de) tratar com o mundo e nele viver, para cuidar de negócios do mundo e adaptar-se, como eu já disse, às conversas do mundo e inimigo seu, vivendo nele como exilado, não sendo, enfim, um ser humano, mas um anjo?" (C 3,3). Idéias e orientações com secretas ressonâncias da oração sacerdotal de Jesus. Teresa prossegue ainda no aspecto do testemunho: "Este não é o momento de se perceberem imperfeições em pessoas que devem ensinar". "Se não estiverem interiormente fortalecidos..., tendo todas as coisas sob os pés, desapegando-se delas e voltando-se para as coisas eternas" (C.3,4).
No fundo, é evidente que a Santa exige qualidade especial no sacerdote. Está convencida de que "um perfeito fará mais do que muitos que não o sejam" (ib.5). Já havia escrito nos textos anteriores, falando de "letrados" sacerdotes: "é que vejo que seria mais proveitosa uma pessoa perfeita de todo e com verdadeiro fervor no amor de Deus do que muitas fracas" (R 3,7). Ou seja, segundo ela, a santidade é um postulado primário do ser sacerdotal. No plano da ação, sem santidade interior, ficará dizimada a eficácia da ação evangelizadora.
Frei Tomás Álvarez, ocd - In: Dicionário de Santa Teresa de Jesus, 2009 - LTR e Edições Carmelitanas - Verbete TERESA.
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