Quando Tomé, o homem das dúvidas e que exigia provas da ressurreição, se depara com o Senhor, esse não pede que o contemple olho no olho, mas que ponha os dedos nas chagas e então entenderá quem é o Ressuscitado. Prostrado em adoração, Tomé exclama “Meu Senhor e meu Deus!”, a grande profissão de fé na divindade de Jesus. Nas suas viagens missionárias, Paulo não anunciava a sabedoria humana, mas Cristo crucificado, morto e ressuscitado, aquele que salva e torna justo quem nele crê.
Pela ressurreição, o Pai transfigurou o corpo de Cristo, mas nele quis conservar as chagas, para que nelas a Igreja pudesse buscar o mais poderoso e eficaz remédio contra o pecado. Da chaga do lado direito, donde escorreu sangue e água, Deus faz brotar o Batismo regenerador e a Eucaristia, Carne e Sangue para a vida. Provando definitivamente que o homem crucificado estava morto ao abrir-lhe o lado direito com a lança, o Centurião abriu a fonte da Vida e dela fez nascer a Igreja. E não resistiu à profissão de fé: “Verdadeiramente ele é o Filho de Deus!”.
Certas espiritualidades e devocionismos se comprazem no sacrificialismo, na lamentação da dor infringida ao corpo de Cristo e gastam o tempo num tipo de tristeza sem muito sentido. Talvez esqueçam que a paixão, morte e ressurreição de Cristo foi ato livre do Filho de Deus. Dele foi a decisão de entregar-se por nós no supremo gesto de amor, fazendo da cruz assassina a árvore que reverdece e produz a salvação: “Que selva outro lenho produz, / que traga em si fruto igual?”, canta a Liturgia.
Quem diz “Tão grande é meu pecado que não merece perdão” mostra não se interessar pelo mérito de Cristo e peca contra o Espírito Santo, negando o amor infinito de Deus. O lamento que parece humildade se transforma em negação da Paixão redentora.
São Bernardo de Claraval, ao impulsionar a devoção à Paixão de Cristo e à Mãe das Dores quis, antes de tudo, confortar os cristãos: “Vejam quanto custou a nossa salvação, vejam o nosso valor diante de Deus!” Dele é a belíssima meditação sobre os cravos que fixaram Jesus à cruz. Os cravos se tornaram chave de salvação. Através das chagas, que abrimos com o cravo de nossos pecados, podemos contemplar a Deus que está em Cristo reconciliando o mundo consigo. Através das fendas das chagas o pecador pode provar quão suave é o Senhor (cf. São Bernardo, Sermo 61,3-50).
No momento triste de nosso pecado temos à mão uma chave preciosa: os cravos da crucifixão. Com eles nos aproximamos do Senhor, abrimos as chagas e entramos no tesouro da misericórdia. A máquina de dor do Calvário é agora a porta do Jardim dos reconciliados.
O Cristianismo não é uma religião onde se busca a salvação pelo saber, pela purificação física, pelo nirvana, pela ética. Nele não há lugar para a lógica da compensação (meu perdão tem preço) ou dos sacrifícios (sem muita penitência, nada feito). Jesus nos revelou que é a comunidade dos que crêem no amor e no poder salvador de perdoar.
A fé cristã se nutre de um paradoxo único no mundo religioso: quando eu peco, Deus não me pede sacrifícios, mas ele mesmo se sacrifica por mim.
Deus não pede ao pecador que se cubra de pó e cinza, que grite seus pecados nas esquinas para ser humilhado. Silenciosamente, a cada ato pecaminoso humano Deus contempla o Filho a seu lado e nele vê as chagas, isso é, o nosso preço. Cristo é o nosso resgate, ele pagou por nós. Então se entende o alcance da palavra de Paulo: “Irmãos, deixai-vos reconciliar com Deus!” (2Cor 5,20). Nós o ofendemos e é ele quem vem oferecer o perdão!
O perdão não é extático: ele nos faz entrar num movimento de amor, alegria, paz, felicidade. O perdão divino nos lança ao encontro do irmão para também pedir-lhe que aceite que nos reconciliemos com ele. Não mais será difícil escutar “vai primeiro reconciliar-te com teu irmão”.
Os cravos/chave que nos abrem o tesouro da graça nos fazem mergulhar num mundo novo, onde não há trocas, apenas amor gratuito.
Pe. Jose Artulino Besen.
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