Naquele tempo, houve um casamento em Caná da Galiléia. A mãe de Jesus estava presente. Também Jesus e seus discípulos tinham sido convidados para o casamento. Como o vinho veio a faltar, a mãe de Jesus lhe disse: "Eles não têm mais vinho". Jesus respondeu-lhe: "Mulher, por que dizes isto a mim? Minha hora ainda não chegou". Sua mãe disse aos que estavam servindo: "Fazei o que ele vos disser". Estavam seis talhas de pedra colocadas aí para a purificação que os judeus costumam fazer. Em cada uma delas cabiam mais ou menos cem litros. Jesus disse aos que estavam servindo: "Enchei as talhas de água". Encheram-nas até a boca. Jesus disse: "Agora tirai e levai ao mestre-sala". E eles levaram. O mestre-sala experimentou a água que se tinha transformado em vinho. Ele não sabia de onde vinha, mas os que estavam servindo sabiam, pois eram eles que tinham tirado a água. O mestre-sala chamou então o noivo e lhe disse: "Todo mundo serve primeiro o vinho melhor e, quando os convidados já estão embriagados, serve o vinho menos bom. Mas tu guardaste o vinho bom até agora!" Este foi o início dos sinais de Jesus. Ele o realizou em Caná da Galiléia e manifestou a sua glória, e seus discípulos creram nele. Palavra da Salvação!
Refletindo:
Jesus é o Messias-esposo da humanidade
Com o episódio das bodas de Caná, João quer afirmar que Jesus é o novo e verdadeiro esposo da humanidade.
De fato, o simbolismo do matrimônio foi amplamente empregado no Antigo Testamento para conotar o relacionamento entre Deus e seu povo (Os 2,16-25; Is 1,21-23; 49,14-26 etc.).
O próprio João Batista apresenta Jesus como o esposo (1,15.27.30; cf. 3,29).
O texto, portanto, deve ser entendido simbolicamente. Partindo de uma festa de casamento num povoado, o evangelista monta um texto no qual Jesus é apresentado como esposo definitivo da humanidade, o único capaz de trazer vinho novo e insuperável.
O vinho é símbolo do amor (cf. Ct 1,2) e sua abundância está associada à vinda do Messias. Outro detalhe importante: seguindo a contagem dos dias mencionados em 1,19-51, o episódio de Caná acontece no “sexto dia” da primeira semana simbólica do Evangelho de João. Esse detalhe é importante pois, de acordo com Gn 1,26ss, a humanidade surgiu no sexto dia da criação.
Em Caná, portanto, irá nascer “a nova humanidade”, esposa de Jesus, “o novo e definitivo esposo” que traz o vinho do amor insuperável.
Todavia, a “hora” desse “vinho” ainda não chegou. Chegará na cruz (19,30.34).
O episódio está dividido em duas partes: vv. 1-5 e vv. 7-10.
O v. 6, que descreve as talhas vazias, funciona como eixo de todo o episódio e separa as duas partes.
Na primeira, temos uma introdução (vv. 1-2) e a intervenção da mãe de Jesus, nomeada três vezes (vv. 1.3.5). Na segunda (vv. 7-10), a figura central é o mestre-sala, também ele nomeado três vezes (vv. 8-9).
Jesus e os serventes são como que o fio condutor de todo o episódio.
Aparecem tanto na primeira parte quanto na segunda.
O v. 11 é a interpretação do fato.
a) Vv. 1-5: A mãe de Jesus é a personificação da fidelidade a Deus
Após a indicação do tempo e lugar em que é celebrado o casamento (não se trata de pura indicação cronológico-geográfica, mas teológica), o evangelista acrescenta: “a mãe de Jesus estava lá” (v. 1) Com isso João quer dizer que ela pertence à antiga Aliança.
E o seu papel será esclarecido nas ações que ela cumpre a seguir.
O v. 2 põe em cena Jesus. O Messias é convidado a participar da Aliança antiga. Entrando em cena, põe em ação um movimento irreversível.
O vinho, sinal da alegria e do amor conjugal (cf. Ct 1,2; 7,10) vem a faltar na festa de casamento (v. 3). Isso significa que a alegria e o amor devem ser recriados pelo Messias, o novo esposo da humanidade.
A intervenção da mãe de Jesus tem dois aspectos: por um lado mostra a Jesus que “eles não têm mais vinho” (v. 3; estava lá mas toma distância) e, por outro, dá ordem aos serventes: “façam tudo o que ele mandar” (v. 5; não apenas toma distância, mas estimula a buscar o novo que vem a obediência a Jesus).
A mãe de Jesus personifica aqui todos os que conservaram a fidelidade a Deus e a esperança em suas promessas. Ela constata que os que não aderem a Jesus “não têm mais vinho”. Para superar esse impasse é preciso aceitar Jesus como Messias, o esposo da comunidade e da humanidade: “Façam tudo o que ele mandar”.
Estranho é o fato de Jesus se dirigir a sua mãe com o apelativo “mulher”. Essa forma de tratamento não se encontra no Antigo Testamento e nem na literatura rabínica.
Por isso somos levados a considerar essa mulher como figura simbólica, que supera a individualidade.
É a mãe/Israel. Jesus faz-lhe ver a necessidade de romper com o passado (ela pertence à antiga Aliança). Jesus não é um a mais, e sim o definitivo, o único, aquele que traz a novidade radical.
Essa novidade está ligada à “hora” de Jesus (v. 4; cf. 7,30; 8,20; 12,23.27; 17,1), que será a sua morte na cruz. Nesse sentido, o primeiro sinal (Caná) já aponta para o grande sinal do Evangelho de João: Jesus que dá a vida porque ama até às últimas consequências do amor.
A sequencia do episódio é interrompida pela descrição das seis talhas de pedra destinadas à purificação dos judeus (v. 6). Em torno dessa descrição, João reforça, por contraste, o papel de Jesus enquanto Messias e esposo.
As talhas são de pedra (isso evoca as tábuas da Lei) e são seis (as seis festa judaicas relatadas no Evangelho de João, frias, manipuladas e desligadas da vida).
As talhas eram destinadas à purificação (conceito que torna difícil o relacionamento com Deus, distanciando-o; um deus que precisa ser “aplacado” com purificações).
Estavam vazias (não são capazes de restaurar o relacionamento com Deus). Além disso, o número seis denota provisoriedade, e não obstante as talhas possam conter muito (mais ou menos cem litros cada uma), são ineficazes (estão vazias).
b) Vv. 7-10: Dando o melhor vinho, Jesus se revela o esposo da humanidade
Jesus manda encher as talhas com água. Assim ele passa a oferecer a nova “purificação”, que não irá depender da Lei, pois as talhas não irão conter o vinho novo (observe o que diz o v. 9b: “Os que serviam estavam sabendo, pois foram eles que tiraram a água).
A segunda ordem de Jesus: “Agora tirem e levem ao mestre-sala” (v. 8a) confere sentido e valor ao casamento, isto é, ao relacionamento entre Deus e a humanidade. Esse relacionamento íntimo tem como única razão de ser o amor total e a fidelidade plena, representados pelo vinho novo e abundante (mais de seiscentos litros!) que o Messias-esposo oferece.
O mestre-sala é símbolo dos que não reconhecem o dom messiânico que Deus faz em Jesus, o Messias-esposo da humanidade. Ele prova o vinho, constata que há novidade radical no que é apresentado, mas atribui o fato ao noivo: “Você guardou o vinho bom até agora” (v. 10). Não reconhece que, no projeto de Deus, o melhor vem depois, isto é, com Jesus.
c) V. 11: O sinal manifesta a glória de Jesus
O evangelista afirma que em Caná Jesus deu início a uma série de sinais.
O sinal de Caná é o protótipo dos demais que se seguirão.
Eles têm dupla finalidade: 1. Manifestar a glória de Jesus, isto é, fazer ver que Deus condensou nas palavras e ações do Filho todo o seu projeto de amor fiel (1,14), desde o início até a “hora” de Jesus (17,1). Jesus é a glória de Deus, ou seja, a revelação e mediação últimas do amor sem limites de Deus;
2. Conferindo credibilidade a Jesus enquanto mediador do amor divino, os sinais visam a suscitar a fé dos discípulos que acolhem Jesus e se comprometem lealmente com ele: “seus discípulos acreditaram nele” (v. 11b).
d) Quem é a esposa do Messias-esposo?
Lendo o episódio das bodas de Caná (palavra que significa “adquirir”), percebe-se logo o engano em que caiu o mestre-sala: crê que o melhor vinho tenha sido oferta do noivo. O leitor do evangelho e os serventes sabem muito bem que Jesus é quem dá o vinho novo – o amor sem limites –, pois ele é o Messias-esposo da humanidade. A mensagem, contudo, vai além. O episódio mostra também quem é a esposa do Messias-esposo: ela está representada na “mulher”, a mãe de Jesus (que por sua vez representa o Israel que reconheceu o Messias), nos serventes que sabem de onde vem o vinho novo (v. 9) e que obedecem a Jesus e nos discípulos que acreditam nele (v. 11b).
É assim que o Messias-esposo vai conquistando/adquirindo (“Caná”) para si uma esposa.
com minha benção
Pe.Emílio Carlos+
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