Durante cinco séculos, milhares de missionários vieram de fora para nos evangelizar. E a nossa Igreja cresceu, foi se tornando sólida e em alguns aspectos até tornou-se modelo para outras Igrejas. Porém, sua consciência missionária “além-fronteiras” não corresponde à sua vitalidade.
A nossa Igreja precisa morrer a si mesma, a seus próprios e únicos interesses, a fim de frutificar para a Igreja universal. Que os novos santos intercedam para que a América Latina, o continente da esperança, possa desenvolver cada vez mais e melhor a missão além fronteiras, a partir das características do seu caminho de fé e da solidariedade com os pobres.
Assim também vejo que nossa Comunidade esquece as vezes desta visão alargada para a Igreja e para a sociedade , as vezes vivemos fechados em nosso mundinho e em nossos problemas pessoais.
MINISTÉRIO DOS MISSIONÁRIOS – SER MISSIONÁRIO
No Antigo Testamento
A figura do missionário leigo não é de hoje, tem suas origens no povo de Deus da Bíblia. No Antigo Testamento chamavam-se ‘levitas’, por terem sido escolhidos entre a tribo de Levi.
Surgiram durante a famosa assembleia popular de Siquém, um pequeno lugarejo do interior da Samaria, pelo ano de 1.180 a.C. (o resumo do resumo desta assembleia está em Josué 24). Lá se reuniram representantes de grupos de lavradores sem terra, sofridos e oprimidos, fugidos do domínio de reis cananeus da região da Palestina ou vindos de outras terras, como o Egito e a Mesopotâmia (onde ficam os atuais Irã e Iraque). Buscavam vida e liberdade. Inspirados pela experiência libertária do grupo que havia fugido dos faraós do Egito, liderado por Moisés, e que
havia feito uma experiência extraordinária com Javé, o Deus da montanha do Sinai, eles puseram os fundamentos de um novo tipo de sociedade, baseada na partilha, na solidariedade.
Para fortalecer essa organização fraterna, acolheram e assumiram a aliança com Javé, o Deus da vida e da liberdade.
Em lugar de sacerdotes, na época figuras mesquinhas, atreladas à corrupção dos poderosos, escolheram levitas; eram leigos, não sacerdotes, com a missão de manter viva a memória e a fidelidade a Javé. Estes levitas eram pobres, não podiam possuir bens, viviam de doações. Os que se fixaram mais nos pequenos santuários do interior eram chamados de levitas sacerdotes, mas era um sacerdócio bem popular, nada a ver com os do Templo. Melhor ainda eram os levitas que viviam nas aldeias. Eram verdadeiros catequistas - missionários itinerantes. Visitavam aldeias e tribos para manter viva a fidelidade a Javé e os compromissos de uma sociedade sem males.
Eram convocados para resolver problemas e questões da vida das tribos (Dt 17,8-13). Eram bons rezadores, organizavam e acompanhavam o povo nas romarias aos pequenos santuários espalhados pela Palestina (Siquém, Ramá, Silo, Betel...), sobretudo nas festas ligadas à memória libertária do Êxodo (Dt 16,1-17).
Quando, a partir especialmente de Salomão, a monarquia substituiu a liga das tribos, pervertendo as relações sociais e reduzindo Javé a um deus atrelado ao poder, os levitas missionários reagiram duramente. Questionavam, denunciavam males, desmascaravam a religião vazia, convidavam a refazer aliança com Javé. Para essa missão árdua, surgiram do meio deles grandes profetas como Elias, Oséias, Jeremias.
Os levitas deram vida a corajosos movimentos populares de resistência contra os desmandos do poder corrupto e ganancioso. Foram eles a escrever o livro do Deuteronômio, que tanto apela para a fidelidade a Javé, a prática da justiça e a entrega da terra, que é de Javé, aos lavradores sem terra (Dt 1,25; 2,26-29; 8,6-10; 9,23). No tempo do rei sanguinário Manasses muitos foram mortos, outros se salvaram na clandestinidade. Eles sempre marcaram presença significativa, do lado da vida e do Deus da vida, ao longo de todo o Antigo Testamento, tanto na Palestina antiga como no Exílio da Babilônia e depois do exílio. Jesus muito se inspirou neles para ser fiel à missão do Pai.
No Novo Testamento
Depois que Jesus tornou publica a missão que o Pai lhe havia confiado, foi surgindo ao redor dele um movimento missionário profético. Era formado por gente simples, como camponeses, pescadores, cobradores, alguns simpatizavam com movimentos
revolucionários. Havia também mulheres, inclusive algumas delas acusadas de ‘má fama’; Joana era casada com um alto funcionário da corte de Herodes, outras dispunham de recursos materiais (Lc 8,1-3).
A todos Jesus pedia mudança, conversão, para abraçar seu estilo de vida. Este movimento continuou e cresceu depois da ascensão de Jesus. Os primeiros apóstolos (palavra que significa: enviados, mandados) foram todos missionários itinerantes (menos Judas Iscariotes; seu grande pecado não foi tanto ter traído Jesus, foi ter caído no desespero, achando que não merecia mais o perdão de Jesus).
Outros foram se juntando. Foi essa turma de missionários itinerantes que testemunharam e levaram mundo afora a boa notícia de Jesus. Eles marcaram o surgimento das primeiras comunidades cristãs. Entre eles se destaca o apóstolo Paulo, o missionário mais querido e, ao mesmo tempo, mais combatido e caluniado por parte de “falsos apóstolos, operários fraudulentos, disfarçados de apóstolos de Cristo” (2 Cor 11,13). Paulo preparou e atuou com cerca de 100 missionários itinerantes.
Ao longo dos séculos
A caminhada missionária não foi fácil, desde o começo. A terrível derrota do judaísmo na guerra contra o Império Romano, no ano 70 d.C., piorou as relações, já tensas, entre judeus e cristãos, até chegar a uma ruptura total.
Os cristãos foram expulsos das sinagogas, isso acelerou a formação de pequenas comunidades. Foi crescendo o número de presbíteros e diáconos, com a tarefa de acompanhar e orientar as comunidades. Inicialmente eram escolhidos entre missionários, mas, não demoraram aparecer abusos, como, por exemplo, se pode entender nas entrelinhas das recomendações da primeira carta de Pedro (1Pd 5,1-4). Ou nos recados de Paulo apóstolo aos presbíteros da igreja de Éfeso, que encontrou no porto de Mileto (At 20, 25-35); eram recados que o autor de Atos queria dirigir aos presbíteros do final da década de 80 do primeiro século, época em que foi escrito o livro de Atos.
Também entre os mesmos missionários estavam acontecendo coisas erradas, dá para ver isso lendo atentamente textos sagrados, como Lucas 10,1ss.
A caminhada não parou, ao contrário, foram missionários itinerantes, fiéis à missão de Jesus, a pedir, com o apoio das comunidades, que fosse posto por escrito a memória de Jesus, o Cristo.
Por isso apareceram os quatro evangelhos. Apesar dos abusos de vários missionários, as comunidades pediram pela continuação do ministério dos missionários itinerantes, mas com regras de vida bem definidas. Isso
se vê nas entrelinhas dos evangelhos, especialmente Mateus 10,1-42; Marcos 6,6-13; Lucas 10,1-42.
As coisas pioraram com o andar dos tempos, quando, pouco a pouco, foi acontecendo algo muito ruim, uma espécie de ruptura entre o ser missionário e o ser presbítero.
O presbítero passou a ser cada vez mais o homem do altar, do sagrado, e cada vez menos o missionário. Muitos presbíteros tornaram-se funcionários de uma instituição, distribuidores de ritos, acomodaram-se. Mesmo assim, nunca faltaram na história da Igreja multidões de presbíteros e de leigos missionários, profetas e pastores.
Pensemos, por exemplo, aos numerosos movimentos populares missionários durante o tempo da Idade Média. Eram leigos, viviam pobres, muitas vezes de esmola, andavam, visitavam, socorriam pessoas necessitadas. O mais famoso foi o movimento franciscano. Tinha como exemplo e referência, São Francisco de Assis, que quis permanecer leigo, simplesmente como irmão/ frei (frater em latim).
Como já falamos, nestes últimos tempos está irrompendo na Igreja um novo ministério, o do missionário leigo. É novo pela novidade, mas tão antigo quanto a Igreja, pois as comunidades surgiram por iniciativas dos missionários itinerantes.
O missionário deve ter consciência de que trabalha numa obra de altíssimo mérito, mas árdua e penosa.
Ele deve ser como a pedra escondida debaixo da terra.
Ela talvez nunca venha à luz, mas faz parte dos alicerces de um novo e imenso sacrifício.
O Missionário deve estar disposto a ocupar o último lugar.
Isso muitas vezes significa trabalhar, cansar e suar sem que ninguém fique sabendo o que ele faz, a não ser Deus.
É necessário escolhermos o último lugar, e só assim poderemos chegar ao primeiro. E ocupemo-los com amor e espírito de serviço, para assim agradarmos ao Senhor.
São Beda, o Venerável, assim afirmou: “Todo aquele que, convidado, venha às bodas de Jesus Cristo e da Igreja, unido pela fé aos membros da Igreja, não se exalte como se fosse superior aos outros, nem se glorie por seus méritos; mas ceda seu lugar àquele que, convidado depois, é mais digno e progrediu mais no fervor dos que seguem a Jesus Cristo, e ocupe com modéstia o último lugar, reconhecendo que os demais são melhores do que ele em tudo quanto se julgava superior”
São João Crisóstomo, Doutor da Igreja, bem escreveu: "Não nos perturbemos, pois, quando não recebermos recompensa pelos nossos benefícios, mas sim quando a recebermos; porque se a recebermos aqui, nada receberemos depois; mas se os homens não nos pagarem, Deus nos pagará"
Jesus diz mais: “Quando tu fores convidado para uma festa de casamento, não ocupes o primeiro lugar. Pode ser que tenha sido convidado alguém mais importante do que tu, e o dono da casa, que convidou os dois, venha te dizer: ‘Dá o lugar a ele’. Então tu ficarás envergonhado e irás ocupar o último lugar. Mas, quando tu fores convidado, vai sentar-te no último lugar. Assim, quando chegar quem te convidou, te dirá: ‘Amigo, vem mais para cima’. E isto vai ser uma honra para ti diante de todos os convidados. Porque quem se eleva, será humilhado e quem se humilha, será elevado” (Lc 14, 8-11).
Jesus se utiliza da comparação de um casamento. Sobre esta simbologia o Pe. Tuya escreve: “O banquete de casamento ao qual Jesus faz menção é o Reino Messiânico [...]. Ali, os primeiros lugares estão reservados para os que forem mais humildes” (Bíblia comentada. Evangelios. Madrid: BAC, 1964, v.II, p.864). Não busquemos ocupar os primeiros lugares, pois poderemos ser mandados para os últimos. São condições que Jesus apresenta-nos para entrarmos no Reino do Céu.
Vivemos em um mundo que sempre busca retribuições e ações interesseiras. Jesus, porém, ensina-nos a nada pedirmos em troca, para que tudo possamos ganhar no dia da ressurreição.
O que é ser o Discípulo – Missionário?
É colocar-se no caminho dele, é renunciar a decidir por si mesmo que rumo dar à sua vida, para seguir o caminho do Mestre, colocando os pés nos seus passos; ser discípulo-missionário é se renunciar para ser em Jesus, pensando como ele, vivendo como ele, agindo como ele... Ser discípulo-missionário é fazer de Jesus o tudo, o fundamento da própria existência: “Qualquer um de vós, se não renunciar a tudo que tem, a tudo que é, à sua própria segurança, ao seu próprio modo de pensar, não pode ser meu discípulo!”
É preciso que compreendamos que esta exigência tão radical do Senhor não é por capricho, não é arbitrária, não é humilhante ou desumana para nós. O Senhor é tão exigente porque nos quer libertar de nós mesmos, de nosso horizonte fechado e limitado à nossa própria razão, ao nosso próprio modo de ver e pensar as coisas e o mundo. O Senhor nos quer libertar da ilusão de que somos auto-suficientes e sábios, de que somos deuses! Como têm razão, as palavras do Livro da Sabedoria: “Qual é o homem que pode conhecer os desígnios de Deus? Ou quem pode imaginar o desígnio do Senhor? Quem, portanto, investigará o que há nos céus?” O homem, sozinho, é incapaz de compreender o mistério da vida, que somente é conhecido pelo coração de Deus! Isto valia para ontem, e continua valendo para hoje e valerá ainda para amanhã, mesmo com todo o desenvolvimento da ciência e com toda a ilusão de que nos bastamos a nós mesmos e podemos por nós mesmos decidir o que é certo e o que é errado. O homem, fechado em si mesmo, jamais poderá compreender de verdade o mistério de sua existência e o sentido profundo da realidade.
É preciso ter a coragem de abrir-se, de ser discípulo-missionário, de seguir aquele que veio do Pai para ser nosso Caminho, nossa Verdade e nossa Vida! “Na verdade, os pensamentos dos mortais são tímidos e nossas reflexões, incertas... Mal podemos conhecer o que há na terra e, com muito custo compreendemos o que está ao alcance de nossas mãos”. É por isso que o Salmista hoje nos faz pedir com humildade: “Ensinai-nos a contar os nossos dias, e dai ao nosso coração sabedoria!”.
Só quando nos renunciarmos, só quando colocarmos o Senhor como o centro de nossa vida, do nosso modo de pensar e de agir, somente quando ele for realmente o nosso Tudo, seremos discípulos-missionários de verdade. Então mudaremos de vida, de valores, de modo de agir.
Ser discípulo-missionário não é ‘status’, é serviço humilde. É preciso ter todo cuidado para evitar qualquer discriminação.
Vamos agora, a título de exemplo, algumas tarefas específicas do discípulo-missionário, que nos parecem fundamentais, mas que poderão ser ampliadas e acrescentadas.
Missão dos missionários:
1. Ajudar as pessoas a dar sentido verdadeiro à vida, no aqui e no agora.
2. Ajudar as pessoas ao encontro pessoal com Jesus Cristo, com fé humilde e dócil.
3. Manter viva a espiritualidade encarnada e atualizada do seguimento de Jesus nas pessoas, nas comunidades, nas pastorais, nos grupos.
4. Motivar, incentivar, acompanhar o estudo do Evangelho e a Revisão de vida.
5.Testemunhar a missão de Jesus hoje no dia a dia, na profissão, nos locais de trabalho, nas comunidades, no meio do povo.
6.Visitar com gratuidade e sabedoria as pessoas, especialmente as mais afastadas.
7. Visitar outras comunidades, especialmente as que estão passando por alguma dificuldade.
8. Fundar novas comunidades, com o apoio das comunidades vizinhas e da paróquia.
9. Fazer cada vez mais da diocese uma grande rede de comunidades, nas grandes e pequenas periferias, nos povoados, onde for necessário.
10. Construir comunhão entre pessoas, na diocese, entre comunidades, sobretudo lá onde há divisão.
11.Valorizar as diferenças que enriquecem, os dons e os carismas presentes nas pessoas.
12. Ser um bom conselheiro, ajudando as pessoas a discernir, a avaliar, a tomar decisões conscientes e corajosas.
13. Ajudar as pessoas a cultivar a oração silenciosa e contemplativa, de adoração diante do mistério de Deus.
14. Promover, acompanhar, vivenciar vigílias de oração, jornadas de espiritualidade missionária, reza do Ofício Divino das Comunidades.
15. Cultivar nas pessoas, nas comunidades, a consciência crítica sobre a vida social, econômica, cultural, política da região, do país e do mundo, para ajudar viver melhor a ligação fé e vida.
16. Valorizar tudo o que há de bom e de verdadeiro nas pessoas, na sociedade e, ao mesmo tempo, denunciar, com firmeza, corrupções, desonestidades, injustiças.
17. Ajudar as pessoas a cuidar do bem comum, da família, da sociedade; a trabalhar em equipe, em mutirão, a partilhar serviços, a cultivar o perdão, a humildade, a gratidão, a gratuidade.
18. Cuidar da Terra como um ser vivente, com seus direitos, para ela continuar a ser casa acolhedora de toda a humanidade.
19. Mostrar a importância, a beleza e a urgência de um estilo de vida simples, sóbrio, não consumista, para criar relações verdadeiras. Acompanhar esse estilo de vida.
20. Ajudar as pessoas a crescer na maturidade humana, afetiva, espiritual e missionária.
21. Despertar e acompanhar nas pessoas o chamado ao ministério do missionário cristão leigo.
2. "Não para agradar os homens, mas a Deus que perscruta o nosso coração" (1 Ts.2,1-12.)
“Bem sabeis, irmãos, que não foi inútil o nosso encontro convosco. Sabeis que sofremos e fomos insultados em Filipos.
Decidimos, contudo, confiados em nosso Deus, anunciar a vocês o evangelho de Deus, no meio de grandes lutas. Pois a nossa exortação nada tem de intenções enganosas, de motivos espúrios nem de astúcias. Uma vez que Deus nos achou dignos de confiar-vos o evangelho, não para agradar aos homens, mas a Deus, que perscruta o nosso coração”.
O anúncio cristão, para ser autêntico, exige da parte dos mensageiros condições e comportamentos adequados.
O apóstolo Paulo apresenta as intenções e atitudes inerentes à missão, em (1Ts.2,1-12).
Dentro da nossa perspectiva, podemos fixar a nossa atenção sobre os primeiros elementos que o texto apresenta (1Ts.2,1-4).
Antes de mais nada, no pano de fundo, está evidente a importância do encontro (não foi inútil) entre os missionários e a comunidade, qualificado por relações fraternas (irmãos).
O texto deixa claro que não é possível esquecer que esta é a condição fundamental que "faz nascer a comunidade cristã" (cfr.1,9-10).
Em segundo lugar, Paulo mostra que o fato de anunciar o Evangelho não tem êxito garantido, aliás, pelo contrário, na maioria das vezes isso comporta uma série de dificuldades.
Naturalmente, estas existem em qualquer lugar, mas na atividade apostólica elas existem sempre.
Desde a fundação da primeira comunidade cristã na Macedônia, Paulo e seus companheiros "sofreram" e "foram insultados" em Filipos (cf. At.16,16-20). No entanto, nenhuma dificuldade impede o caminho dos missionários. Podemos perguntar: "Onde eles encontram o impulso, a ousadia e, ao mesmo tempo, a "segurança" para continuarem nesta árdua e difícil tarefa de anunciar o Evangelho de Deus?"(2,2).
"Encontramos a segurança em nosso Deus", afirma Paulo sem hesitações! Este é, de fato, o ponto de referência fundamental de todo missionário para poder proclamar o Evangelho que funda comunidades fraternas "no meio de grandes lutas".
Em outros termos, temos aqui duas atitudes necessárias para o bom desempenho da missão: - em primeiro lugar, é preciso ter consciência de ser enviado por Deus, e em segundo lugar, é necessário ter coragem de crer na própria missão, pois esta coragem está alicerçada na certeza da presença e da ação divina que acompanha os missionários.
É preciso constatar que nem ontem nem hoje, nenhum "marketeiro" pago para realizar esta tarefa poderia encontrar tamanha coragem e força!
Logo em seguida (2,3-4), Paulo sintetiza a atividade missionária usando a expressão "nossa exortação".
Trata-se, ao mesmo tempo, da proclamação do Evangelho e das exigências éticas que daí decorrem.
Os motivos que estão na base de toda pregação devem ser simples e diretos, sem artifícios nem segundas intenções. A "exortação apostólica" é qualificada negativamente: "nada tem de intenções enganosas" nem "de motivos espúrios", ou seja, de "astúcias" (2,3).
A partir disso, o texto deixa claro que a pregação do Evangelho não pode ser identificada com nenhuma "nova doutrina", com a finalidade de arrebanhar novos fregueses, oferecendo-lhes vantagens; não pode também fazer concessões para ter uma acolhida mais agradável junto aos destinatários; nem pode usar de todo tipo de habilidades e truques para capturar a atenção dos ouvintes. Não! O anúncio cristão não é uma imposição, mas uma proposta de vida que deve sempre deixar a pessoa livre para aderir ou não.
Finalmente, encontramos o motivo fundamental que revela as intenções da proclamação do Evangelho: "não para agradar os homens, mas a Deus que perscruta o nosso coração" (2,4).
As dificuldades e os sofrimentos dos mensageiros do Evangelho de Deus, de certa forma, tornam-se uma garantia da autenticidade do anúncio cristão, pois exatamente neste sentido os missionários levam adiante a mesma missão de Jesus. De fato, se Jesus tivesse vindo para agradar a todos, não teria sido crucificado...
Três observações importantes:
• A figura do missionário não dispensa, por motivo nenhum, os outros do viver o espírito missionário. Este não é propriedade exclusiva dos missionários, e sim de toda a Igreja que é missionária por excelência, todos podem e devem viver a beleza do serviço missionário.
• Pelo contrário, a presença e o exemplo do missionário poderá (e deverá) ser um estímulo para muitos fazer da vida uma missão.
• Ser missionário não é ‘status’, é serviço humilde. É preciso ter todo cuidado para evitar qualquer discriminação.
Dá para perceber que os missionários podem atuar mais facilmente numa Igreja diocesana que seja acolhedora, missionária; que seja ministerial, participativa, rede de comunidades. O missionário deverá evitar assumir outros tipos de compromissos, para não virar quebra-galho em tudo; se assim fizer, acabará se esvaziando.
3. Regra de vida dos missionários
As tarefas dos missionários, assim como vimos acima, já dizem que perfis de missionários necessitamos ter para a nossa Igreja, com qual regra de vida viver.
Cada comunidade poderá ver melhor para seus missionários.
A seguir algumas sugestões:
1. Ser missionário não é título, é serviço humilde (Mc 10,43-44).
2. Viver a missão com gratidão, eficácia e gratuidade (Lc 17,10).
3. Viver pessoalmente o que se quer transmitir aos outros, procurando superar toda e qualquer hipocrisia (Mt 23,3).
4. Buscar ser cada vez mais pessoa verdadeira (Mc 8,36).
5. Cultivar o encanto e a atração ao mistério de Deus, que se revela por amor, gratuitamente na pessoa de Jesus de Nazaré (Ef 3,14-20).
6. Cultivar sempre a espiritualidade do discípulo missionário de Jesus de Nazaré (Mc 3,14-15). Isso exige fé humilde e serena; e conversão permanente.
7. Buscar inspiração na regra de vida dos missionários, elaborada pelas primeiras comunidades, tirada dos ensinamentos de Jesus (Mt 10,1-42; Lc 10,1-24). Como nas regras de vida de sua Comunidade, o perfil de missionário segundo o seu Carisma Fundacional.
8. Estudo meditado, continuado, orante do Evangelho do ano litúrgico (Fl 3,7-12).
9. Oração silenciosa e contemplativa; possivelmente 1 a 2 horas, cada dia, em adoração (Mt 6,5-6).
10. Manter atual a ligação fé-vida, dando sempre razão de nossa esperança (1Pd 3,15).
11. Participar ativamente da própria comunidade eclesial, sem assumir outros compromissos (somente em caso de necessidade), para se dedicar mais ao serviço missionário.
12. Ter consciência crítica e vigilante sobre a vida do mundo.
13. Estar comprometido com uma prática transformadora e libertadora; simples e popular, nos vários níveis.
14. Viver com doação, com jubilo interior, com gosto, a missão de missionário.
15. Tomar iniciativa, sem esperar ordens de fora; ternura e firmeza na caminhada.
16. Ser humilde, dócil à ação do Espírito Santo. Saber reconhecer as próprias falhas, pedir perdão, perdoar; levantar e caminhar, sempre, com paz e firmeza (Mt 7,3-5).
17. Dar atenção especial à própria família comunitária a que pertence, ser companheiro fiel com os irmãos no trabalho. Viver nos ambientes de trabalho a missão de missionário, partindo sempre da realidade sócio-econômica, dos anseios do povo, testemunhando os valores evangélicos.
18. Ver tudo em função da missão: relações, contatos, visitas, organização do tempo, opções, mas nunca esquecer o real motivo de sua vida missionária.
19. Saber trabalhar em conjunto e não isoladamente, valorizando os dons dos outros, deixando-se questionar.
20. Cuidar da própria vida afetiva e emocional; que seja sadia, serena, coerente.
21. Viver um estilo de vida simples e sóbria; fraterna e solidária, sem consumismos.
22. Cultivar a própria formação permanente, também através da ajuda dos caminhos apresentados pela Igreja no seu magistério e comunidade de pertença.
Mas cuidado: as regras não devem abafar, cortar asas; não estão aí para fiscalizar. Elas somente apontam o rumo a seguir, querem dar asas a uma belíssima experiência de vida.
Querem encher de sentido profundo, de criatividade e fidelidade.
Ser missionário é, também, estar na estrada, levando uma mensagem que "faça a diferença" para a vida de muitas pessoas que buscam um encontro com Deus através do encontro com as nossas vidas de cristãos consagrados.
A missão do missionário é bonita, é urgente. Pede um estilo de vida coerente.
4. O ser missionário do profissional missionário.
As conseqüências são graves: autoritarismo, legalismo, centralização de todo poder decisivo, distribuição fria de sacramentos, de ritos, de devoções; administração empresarial de bens, ausência de ardor missionário.
A seguir, algumas sugestões para a vida dos missionários:
1. Ser cada vez mais pessoa verdadeira, profundamente humana.
2. Sentir e viver a atração pela experiência mística com a Trindade Santa e de forma especial com o Crucificado e os crucificados de nosso tempo.
3. Recuperar decididamente a dimensão missionária do ser missionário.
4. Ser, antes de tudo, um discípulo-missionário de Jesus Cristo.
5. Favorecer uma Igreja ministerial, valorizar dons e carismas.
6.Acolher com imensa alegria esse novo ministério do ser missionário. Lembrando-se que antes de missionário é um consagrado.
7.Por ser novidade este estilo de vida do novo missionário consagrado, dar atenção especial e acompanhar sempre o caminho da comunidade que se vive e participa como consagrado de um carisma que tem uma missão especifica a ser proclamada.
8. Fazer com que a fidelidade à missão de Jesus seja o eixo da vida pessoal do missionário e da sua ação pastoral.
9. Fazer crescer cada vez mais a beleza e a grandeza de um diocesano missionário, a serviço de toda a comunidade diocesana aonde se encontra a união com o bispo diocesano e a Igreja diocesana é um grande laço de comunhão.
10. Favorecer o crescimento de fraternidades missionárias, espalhadas pelo território diocesano, a serviço das paróquias vizinhas. Não pode faltar entre as Comunidades a convivência fraterna e solidária; missionária e profética.
11. Cada missionário coloque à disposição da diocese seus dons e carismas, para o bem da comunhão eclesial e do crescimento do povo de Deus e da sociedade.
12. Descobrir, juntos, o serviço específico das fraternidades missionárias, confiando a leigos e leigas, a comunidades, a condução de comunidades e até de paróquias.
13. Não utilizar os missionários diocesanos para outras finalidades que não sejam tipicamente missionárias.
Com diocesanos missionários assim, temos motivos de sobra para caminhar com imensa alegria e esperança.
Todos sabemos que a missão antes de ser um "fazer" é um "receber". Se cremos que, como nos ensina o Concilio Vaticano II, "a liturgia é o cume para o qual tende toda a ação da Igreja" (SC10), ou seja, a liturgia é o ponto alto de todo trabalho missionário, também cremos que a mesma liturgia é primordialmente fonte de toda a vida cristã (LG 11), fonte da santificação dos homens e da glorificação de Deus (SC 10), fonte e ápice de toda evangelização (PO 5) e que cada vez que comemos do pão e bebemos do cálice, anunciamos a morte do Senhor até que ele venha (cf. 1Co 11,26).
"A missão da Igreja está em continuidade com a de Cristo: "Como o Pai me enviou, também eu vos envio" (Jo 20,21). Por isso, a Igreja tira força espiritual de que necessita para levar a cabo sua missão da perpetuação do sacrifício da cruz na eucaristia e da comunhão do corpo e sangue de Cristo. Deste modo a eucaristia apresenta-se como fonte e simultaneamente vértice de toda evangelização, porque seu fim é a comunhão dos homens com Cristo e, nele, com o Pai e com o Espírito Santo" (Carta Encíclica de João Paulo II, Ecclesia de Eucharistia, 22).
"Nunca paixão alguma criou raízes em meu coração a não ser o amor pelo Evangelho e o anuncio de Jesus Cristo, morrer se preciso for."
Vamos rezar:
1. O que entendemos com a afirmação de que: “a missão, antes de ser um ‘fazer’, é um ‘receber’”? Coloque em oração e busque responder com o coração em Deus.
2. Por que a força e o dinamismo missionário da Igreja nascem da Eucaristia?
3. Reze a partir do que alicerçam e fundamentam a missão no texto.
4. Reze com estas palavras do Santo padre Bento XVI: em suas palavras Mensagem de Bento XVI para o Dia Mundial das Missões 2010 que será dia 24 de outubro, com o tema "a construção da comunhão eclesial é a chave da missão": “partir desse encontro com o Amor de Deus, que transforma a existência, podemos viver em comunhão com Ele e entre nós, e oferecer aos irmãos um testemunho credível, dando razão à esperança que há em nós (cf. 1 Pd 3, 15). Uma fé adulta, capaz de se confiar totalmente a Deus com atitude filial, nutrida pela oração, pela meditação da Palavra de Deus e do estudo das verdades da fé, é condição para promover um novo humanismo, fundado no Evangelho de Jesus”.
5. Medite: “Como os peregrinos gregos de dois mil anos atrás, também os homens de nosso tempo, embora nem sempre conscientemente, pedem aos crentes não apenas para "falar" de Jesus, mas "fazer ver" Jesus, fazer resplandecer o Rosto do Redentor em todos os cantos da terra, frente às gerações do novo milênio e, especialmente, frente aos jovens de todos os continentes, destinatários privilegiados e sujeitos do anúncio evangélico. Eles devem perceber que os cristãos carregam a palavra de Cristo porque Ele é a Verdade, porque encontraram n"Ele o sentido, a verdade para a própria vida”.
6. O que lhe diz tais palavras: “O mandato missionário que receberam todos os batizados e toda a Igreja, mas que não pode se realizar de modo credível sem uma profunda conversão pessoal, comunitária e pastoral. De fato, a consciência do chamado a proclamar o Evangelho estimula não apenas o fiel individual, mas todas as comunidades diocesanas e paroquiais a uma renovação integral e a se abrir cada vez mais à cooperação missionária entre as Igrejas, para promover o anúncio do Evangelho no coração de toda a pessoa, de todo o povo, cultura, raça, nacionalidade, em qualquer nível”.
7. Reze e questione-se: como vai sua vida de Comunhão com Cristo com a Igreja e com a família Diocesana e com sua Comunidade a qual pertence: “A Igreja se torna "comunhão" a partir da Eucaristia, na qual Cristo, presente no pão e no vinho, com o seu sacrifício de amor, edifica a Igreja como seu corpo, unindo-nos a Deus uno e trino e entre nós (cf. 1 Cor 10, 16ss). Na Exortação Apostólica Sacramentum Caritatis escrevi: "Não podemos reservar para nós o amor que celebramos neste sacramento: por sua natureza, pede para ser comunicado a todos. Aquilo de que o mundo tem necessidade é do amor de Deus, é de encontrar Cristo e acreditar n"Ele. Por isso, a Eucaristia é fonte e ápice não só da vida da Igreja, mas também da sua missão: "Uma Igreja autenticamente eucarística é uma Igreja missionária"" (n. 84), capaz de levar todos à comunhão com Deus, proclamando com convicção: "Aquilo que vimos e ouvimos, nós vos anunciamos, para que vós possais estar em comunhão conosco” (1 Jo 1,3).( Bento XVI – mensagem para o dia mundial das Missões 2010)
8. Reze com as Palavras: Após uma série de graças místicas – inclusive a ‘visão do inferno – despertou em Teresa a compaixão pelos que sofrem (cf. V 32,5). Interiormente sentiu necessidade de fazer algo. Na sua condição de mulher e monja do século XVI fez o que estava ao seu alcance de missionária. Em Vida 32,6 afirma que enfrentaria várias mortes para livrar uma só alma do sofrimento do inferno (referindo-se aos ‘luteranos’). Mais tarde, desejará guardar com perfeição o que prometera a Deus ( em sua Regra ). E ainda, não podendo ir às missões, suas orações e sacrifícios – bem como a de seus mosteiros que mais tarde fundaria – seriam de maneira especial dedicados aos ‘teólogos e missionários’, os braços fortes da Igreja.
Vivemos no século XXI, na América Latina, no Brasil. Em nosso entorno há luzes e sombras.
- O que você, em suas limitações e capacidades, pode fazer para combater como missionário, as sombras que se nos impõem?
9.Medite: Cada qual responde a Deus de acordo com sua capacidade. Todos devem dar resposta a Deus.
Com Teresa a mesma dialética se deu. Interiormente sentiu-se necessidade de fazer algo por Deus (Cf. V. 32,9). Se antes procurava a Deus pela premiação que Dele pudesse receber (exemplos: ser mártir para ganhar o céu; entrar na vida religiosa para viver o purgatório aqui para ir depois ao céu; isolar e não se distrair para receber regalos na oração), agora, descobriu que Deus dá contento independente de nosso querer ou agir (cf. V 24,2). Teresa deixou-se incendiar de amor. Chegou a ponto de perceber que o Senhor a queria como ‘serva do amor’.
O ‘servo’, pois, não tem nada de seu. Tudo é de seu Senhor. Os desejos do servo com o desejo do Senhor se confundem, ou antes, o desejo do servo é o desejo do Senhor. O servo está unido ao seu senhor. Torna-se um missionário-discípulo ou discípulo-missionário.
Com minha benção
Pe. Emílio Carlos +
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