Na maioria das vezes em que tenho lido ou ouvido falar sobre a necessidade que as pessoas têm de amar a si mesmas, inicialmente, tenho a impressão de que, para muitas pessoas, essa ação gera grande desconforto, senso de estar fazendo algo errado, e que aqueles que se arriscam nessa aventura fazem isso porque são egoístas. É oportuno refletirmos sobre o comportamento típico de muitas pessoas frente a essa questão. Parece que para esses indivíduos amar a si mesmo é uma forma de individualismo e egoísmo. Portanto, esse ato deve ser desestimulado e evitado.
Talvez, por isso, há tantas pessoas que vivem se desmerecendo e são incapazes de tecer um comentário favorável sobre si mesmas ou até de receber um simples elogio, sem se sentir desconfortáveis e pensar que estão pecando. Porém, ser egoísta não é sinônimo de amar a si mesmo.
Na verdade, egoísmo é a incapacidade de amar. É um bloqueio severo na afetividade.
Amor próprio é uma necessidade básica do ser humano, que deve ser desenvolvida desde muito cedo na relação da criança com o seu meio familiar. Nos primeiros momentos de vida da criança, os pais atuam como espelhos que devolvem determinadas imagens ao filho.
Antes de adquirir qualquer noção sobre si mesma, a criança sente a percepção que os outros têm dela. Nesse momento, ela se percebe no reflexo do rosto da mãe, sobretudo no seu olhar. Aos poucos, esse olhar vai definir o valor que a criança se dará ao longo da vida. Quanto mais alto for esse valor, mais tranquilamente poderá desenvolver o amor próprio. Essas primeiras experiências que o ser humano vivencia geram forte senso de valor ou desvalorização.
Desde os primeiros anos
Mas, a criança somente se sente valiosa na medida em que é valorizada pelo olhar dos pais. Por isso, podemos afirmar que somente crescemos na medida em que, sendo amados, aprendemos que somos dignos e capazes de amar a nós mesmos.
Porém, quando os pais estão sempre opinando ou olhando a criança a partir de uma perspectiva negativa, ou se a estão sempre taxando de inútil e incapaz, ou usando de zombarias e ironia, estão formando nela imagem e conceitos negativos de seu próprio valor. O perigo que se corre ao colocar na mente da criança um conceito ou imagem desvalorizada de si mesma é o de criar a impossibilidade de perceber o verdadeiro valor que ela tem e, consequentemente,incapacitá-la na tarefa de amar a si mesma.
O ser humano somente poderá amar a si mesmo, quando se sentir realmente valioso para o outro. A gente só ama aquilo que tem valor.
Todo indivíduo precisa de amor (valor) para se manter vivo,mas quando alguém é severamente privado do afeto paterno ou materno, abre-se grande ferida em seu interior, causando pungente dor e grande vazio. E como não suporta bem a dor, poderá pensar, consciente ou inconscientemente, mais ou menos assim: "O causador da minha dor é o outro (pai e/oumãe), então não quero saber se ele existe. A partir de agora VOU FICAR COMIGO MESMO e só quero saber de mim. Dane-se o outro!" Como mecanismo de defesa, esse tipo de atitude desenvolverá insensibilidade para com o outro. É uma negação em busca de alívio da dor provocada pela sua privação.
Essa incapacidade de amar faz com que o indivíduo, em sua busca do último recurso para se manter vivo diante da dor, se feche, se centralize em si mesmo. Isso significa que ele só consegue ver, agir, pensar, fazer e viver em função de si mesmo. Tudo tem que girar em torno dele, porque só enxerga a si, age só para si, pensa só em si, vive como se só existissem seus desejos, necessidades, pensamentos e maneira de ver o mundo. Se você tiver a sorte de ser interessante a ele, possivelmente o perceberá, mas nunca se esqueça de que o real motivo sempre será o de se satisfazer.Enfim, o egoísta se coloca no lugar do amor. Em vez de tudo e todos girarem em torno do amor, o egoísta vive como se o mundo devesse girar em torno dele. "Já que não posso amar e ser amado, serei o amor!" Esse é o aforismo do egoísta, sua racionalização para ocupar indevidamente o lugar do amor.
Para o egoísta, é mais importante o que ele pensa, sente e deseja. Não tem relevância o que o pai, irmão e amigos pensam. A tristeza, alegria ou dor que o outro sente não lhe faz a mínima diferença. É a política do "não-tô-nem-ai". O outro que se vire. O sutil perigo de tudo isso é que nossa sociedade confunde esse comportamento com a atitude de "amar a si mesmo.”
Círculo virtuoso
Muitas pessoas se deixam seduzir por essa ideia errônea de "amar a si mesmo", conforme o status quo vigente.
Para nossa sociedade globalizada, gostar de si mesmo e fazer tudo o que der na cabeça, não importando o que isso possa significar para o semelhante. Assim, perde-se a noção do limite de direitos e do respeito mútuos. Cria-se uma geração de seres humanos alienados de si, do próximo e da vida.
Por outro lado,quem é capaz de se amar não se aliena e quem ama a si mesmo vive para o outro. O ser humano existe na medida em que o amor de outro o valoriza, formando-se assim um círculo virtuoso: por que sou valorizado, habilito-me a valorizar, e, em valorizando, sinto-me valorizado. Esse círculo não é só legítimo como e imprescindível: ninguém pode existir sem ser para outro.
Esse círculo é a condição básica, indispensável, inadiável ao desabrochar do desejo e da necessidade de querer algo melhor para si e para o outro. Então, e somente então, eclode dentro do indivíduo um processo que denominamos amar a si mesmo.
Nesse processo, o ser humano precisa se sentir amado, valorizado como pessoa, indivíduo único e especial. Cada um quer ser amado justamente por ser ele mesmo. É exatamente o fato de ser único, com suas experiências e emoções, com suas histórias de vida tão particulares e diferentes, que o torna tão especial. E ser especial não o torna mais importante que ninguém, e sim, o faz mais consciente do quanto precisa fazer a diferença na vida dos outros. Quando recebemos amor, aprendemos que somos pessoas especiais, indivíduos que merecem ser felizes e, por isso, aprendem a amar a si mesmos e aos outros. São pessoas que têm noção dos seus valores, de sua dignidade. Por isso se respeitam e, por se respeitarem, são capazes de amar.
Augusto César Maia.
Em Vida e Saúde.
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