O celibato é feito para quem consegue dizer com o coração: «Deus me basta para ser feliz!».
No dia 13 de junho de 1525, o ex-monge Martinho Lutero casou com a ex-freira Catarina von Bora. De acordo com suas palavras, «assim como não está em meu poder deixar de ser homem, também não está em meu poder ficar sem mulher. O mesmo princípio vale para a mulher. Não se trata de livre escolha ou decisão, mas de algo necessário e natural. Quem é homem tem de ter uma esposa, e quem é mulher tem de ter um marido».
Ao comentar a palavra de Jesus – «há pessoas que não casam pelo Reino de Deus» (Mt 19,12) –, Lutero afirma que «elas existem, mas são raras. Ninguém deve tomar a iniciativa de seguir por este caminho, senão unicamente por um chamado especial de Deus, ou seja, que sinta a graça de Deus tão forte dentro de si, que o mandamento “crescei e multiplicai-vos” não lhe diga respeito».
Contudo, depois de ter feito a experiência do casamento, Lutero percebeu que, se não houver uma maturidade humana e cristã, ele não resolve nenhum dos problemas afetivos e sexuais que inquietam as pessoas, tanto que muitas delas casam e descasam sem nunca encontrar a solução das angústias existenciais que as atormentam: «A vida matrimonial não é assunto para brincadeira ou curiosidade atrevida, mas algo excelente e matéria de divina seriedade. O casal precisa conviver em amor e concórdia, para que um queira o outro de coração e com fidelidade integral. Onde houver esse cuidado, a castidade será espontânea, e não uma obrigação imposta».
Podemos concordar ou discordar de muitas das afirmações do líder da Reforma, menos de uma delas, inculcada desde as primeiras páginas da Bíblia: «Não é bom que o ser humano fique sozinho» (Gn 2,18). Mas, será que esta palavra de Deus se refere sempre, ou somente, ao cônjuge? Há casados que se sentem sozinhos, na mais profunda solidão… De outro lado, são milhões as pessoas que se realizaram plenamente no celibato.
A resposta é outra: quem realiza o homem, criado à imagem de um Deus que é comunhão, é sempre e somente o amor. Quanto mais ele for verdadeiro, maior a realização humana. Se os laços do sangue não são sempre suficientes para garantir e perpetuar essa união, muito menos o serão o instinto sexual e a carência afetiva.
É o que pensa também o Papa Bento XVI: para não se identificar com repressão e egoísmo, o celibato precisa ser alimentado por um amor sem medidas: «O sacerdote deve conhecer verdadeiramente Deus a partir de dentro e, assim, levá-lo aos homens. Este é o serviço prioritário que a humanidade atual busca e precisa. Se se perde esta centralidade de Deus na vida sacerdotal, esvazia-se pouco a pouco também o zelo pela missão. No excesso das coisas externas, falta o centro que dá sentido a tudo e o reconduz à unidade. O celibato pode ser compreendido e vivido só por essa orientação de fundo. As razões pragmáticas, a referência à maior disponibilidade, não são suficientes. Esta maior disponibilidade de tempo poderia facilmente tornar-se uma forma de egoísmo, que se poupa aos sacrifícios e às fadigas exigidas pelo aceitar-se e suportar-se reciprocamente no matrimônio; poderia até levar a um empobrecimento espiritual, a uma dureza do coração. O verdadeiro fundamento do celibato está contido apenas na frase: Tu, Senhor, és a minha herança e a minha taça (Sl 16, 5)».
Como se percebe, para Lutero e Bento XVI o celibato é feito para quem consegue dizer com o coração: «Deus me basta para ser feliz!». Ambos fundamentam suas palavras na doutrina de São Paulo, para quem a única razão do celibato é a «dedicação integral ao Senhor, sem outras distrações» (1Cor 7,35). Mas isso só acontece quando se busca um conhecimento vital de Deus – e não apenas teórico e abstrato –, a exemplo de Jó, que repetia, depois de longos anos de sofrimento: «Antes, eu conhecia o Senhor apenas por ouvir dizer. Agora, porém, o vejo com meus próprios olhos» (Jó 42,5). Se faltar este contato íntimo com o Senhor, é mais prudente seguir o conselho de São Paulo: «Se não consegues conter-te, casa, pois é melhor casar do que queimar» (1Cor 7,9). Em todo o caso, o amor a Deus e aos irmãos deve ser, no mínimo, tão forte quanto são as exigências da carne e as tentações da sociedade atual – umas e outras cada dia mais acentuadas e sorrateiras. Foi essa realidade que levou o cardeal Carlos Maria Martini, arcebispo emérito de Milão, a afirmar com a sabedoria que a experiência lhe concedeu: «Esta forma de vida é muito exigente; ela pressupõe profunda religiosidade, uma vida comunitária sadia, uma personalidade forte e, sobretudo, vocação ao celibato».
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