A Igreja, nascida do coração de Deus e seu sacramento, à qual Ele confiou a Palavra e Presença salvíficas do Filho, é também cenário, destinatária e quem discerne a graça que Deus outorga aos membros que a compôem.
Disto tudo nos fala a experiência e o magistério dos nossos santos padres carmelitas. João da Cruz tira do mistério de Deus trino a origem da Igreja, a esposa que o Pai prepara para seu Filho. Assim o manifesta nos sóbrios e simples versos de seus romances: "Uma esposa que te ame, meu Filho, dar-te queria, que por teu valor mereça estar em nossa companhia". O Filho contesta; "Muito lhe agradeço, Pai - o Filho lhe respondia -; à esposa que deres eu minha claridade daria" (R 3).
Deus cria também um palácio para a esposa - o mundo, com suas variedades de lugares e de seres, porém todos são um só corpo (ib). "Ele era a cabeça, os justos o corpo da esposa, com quem viria ao Pai, "donde do mesmo deleite que Deus goza, gozaria; que, como Pai e o Filho e o que deles procedia, um vivendo no outro, assim a esposa seria, e dentro de Deus absorta, vida de Deus viveria" (R 4).
Feita a esposa à "imagem do Filho", é-lhe comunicado o mesmo amor que ao Filho; o Filho, por sua encarnação, faz-se também semelhante à esposa.
Nascimento, vida, destino da Igreja: "porém todos são um corpo da esposa que dizia; que o amor de um mesmo esposo, uma esposa os fazia". Mistério de comunhão entre os membros e de todos com a cabeça.
No Cântico Espiritual São João da Cruz dirá que a união hipostática da natureza humana com o Verbo Divino, e na relação que nela existe da união dos homens com Deus" (C 37,3). E abrirá uma chave interpretativa eclesial da história do exercício de amor entre a alma e o esposo, ao escrever: "este verso se entende propriamente da Igreja e de Cristo, no qual a Igreja, sua esposa, fala com Ele" (30,7).
Cristo esposo e Igreja esposa: os mesmos bens que são próprios de Deus se fazem também comuns à alma esposa (C 14 - 15, 29).
A Santa Madre nos apresenta com mais vivacidade como ela vê a Igreja histórica.
Porém não silencia a perspectiva e o objetivo que persegue com sua Reforma, que é a realidade da Igreja escatológica que ela traduz com simplicidade como a Igreja dos vivos (cf. V 38, 6), dos que "estão cheios de caridade" (CV 29,1).
Da convergência do panorama da Igreja histórica que ela contempla em seu tempo e da Igreja dos bem-aventurados, surgirá seu poderoso sentido de Igreja, sua grande paixão de viver e morrer sua filha.
Ainda que não podemos determinar com segurança quando a ruptura da unidade da Igreja golpeou a consciência de Santa Teresa, o certo é que produziu nela uma profundíssima comoção e significou muito em sua orientação espiritual e a direção que imprimiu em sua obra de reforma.
Teresa fala dos tantos males da Igreja (V 7,5), dos danos que sofre (V 13, 10), das grandes tempestades (ib 21), e das grandes necessidades que lhe afligem (CC 3,7). Sendo ela Igreja e vivendo dentro dela, dói-lhe a ruptura que assiste entre letrados e espirituais, tantíssimos, entre os primeiros, que são sem espírito, ou que "querem levar as coisas de Deus por sua razão" (CM 6,7); entre os segundos vê quantos não têm uma séria, consistente formação teológica.
A mesma vida religiosa não lhe oferece uma imagem melhor. Vendo como a vida religiosa traz dentro de si dez mundos (V 7, 4,5) , com suas honras e suas leis (CV 36,4), ela exclama: "não sei do que estranhamos que haja tantos males na Igreja" (V 7,5).
Banhada misticamente da luz de Deus Teresa se vê agente, culpável por toda esta situação. Não faz ela uma leitura farisaica da realidade. É pecadora e, como tal, está na Igreja, e tem não pouco a que ver com vida dela: "via-me tão mal que os males e heresias que se tinham levantado seriam por causa dos meus pecados" (V 30,8).
Esta lucidez com que vê a Igreja reflete-se positivamente na alma da santa, que traduz tudo no estilo que quer implantar em sua reforma.
Para Teresa a Igreja é também o espaço onde a graça de Deus é acolhida. Sendo sua destinatária a Igreja deve discernir e verificar a mesma graça recebida. Poderíamos dizer que a graça mística introduz santa Teresa mais para dentro da vida da própria Igreja, uma graça que ela deverá viver comunitariamente. Daí a necessidade de estar dentro da fé da Igreja, de se crer nela (CV 21,10).
Santa Teresa, por isso, busca o discernimento da Igreja e sujeita-se a ser examinada pelos ministros que Deus colocou nela (CC 53,3); começa também a tratar com pessoas espirituais (CC 53, 8) e, depois, "com alguns letrados, ainda que não fossem muito dados à oração" (ib 9), evitando a quem "cria que tudo era de Deus" (ib 19). Sujeita-se e obedece (CC 1,15.37; 53, 15), como lhe disse Deus mesmo, expressando, não obstante a enorme contrariedade que lhe produz pela plena certeza subjetiva que tem da origem divina das graças que recebeu (V 29,6).
Mais tarde não durará em aconselhar a suas monjas que não obedeçam caso alguém lhes dê o conselho de ser indiferente às visões (6M 9,13).
Santa Teresa, enfim, confessa sua disposição em morrer mil mortes pela menor cerimônia da Igreja (V 33, 5). Põe toda sua vida ao serviço da Igreja: "sempre com grande desejo de que fosse louvado e sua igreja aumentada" (ib 1).
Assim educará mais tarde suas irmãs dizendo que "se afeiçoassem ao bem das almas e ao aumento de sua Igreja" (F 1,6).
Não se esquece de rogar a suas irmãs que, lindo as Moradas, peçais ao Senhor pelo aumento de sua Igreja" (7M 4,24), demonstrando seu profundo e fundamental sentido de pertença à Igreja, cuja fé não poderá ser contrariada, ainda que haja mil revelações que a contradigam, ainda que os céus se abram (V 25,12).
Fr. Maximiliano Herraiz, ocd
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