Hoje celebramos a festa dos apóstolos que são chamados de colunas da Igreja de Cristo, Pedro escolhido como ponto de comunhão e unidade e Paulo o grande evangelizador das nações não judaicas. Ambos com personalidades tão diferentes serviram a Jesus, e colaboraram de modo precioso para a expansão do cristianismo. Também os dois apóstolos através do martírio testemunharam sua fé no Cristo vivo e ressuscitado. Que nossas leituras nos ajudem a entender melhor o que hoje celebramos, a “apostolicidade” da Igreja de Jesus.
Na primeira leitura (At 12,1-11) estamos diante da prisão de Pedro, da oração feita por ele na comunidade primitiva, e da sua milagrosa libertação. Devemos nos lembrar que o contexto deste episódio aponta para a morte violenta de Tiago, o primeiro dos apóstolos a dar sua vida como testemunho de Cristo! Esta morte agradou aos partidos judaicos contrários ao cristianismo, depois dela se desencadeia toda uma perseguição às altas autoridades da comunidade cristã, e aí encontramos a prisão de Pedro relatada no texto desta nossa leitura de hoje.
O Rei Herodes que manda prender Pedro, para agradar os judeus, é neto de Herodes o Grande aquele que mandou matar as criancinhas, trata-se de Herodes Agripa que depois foi rei de quase toda a Palestina nos anos de 41 a 44 d.C. Pedro é preso na época dos “pães azímos”, o que indica que ele está seguindo as pegadas de seu divino Mestre. Mas não morre naquele momento por covardia, pois Deus mesmo intervém para libertá-lo. Ele estava na prisão com os cuidados maiores de segurança de que se dispunha naquela época, vários guardas, correntes e vigias. Enquanto isto a comunidade cristã rezava por seu chefe prisioneiro, era mesmo a única coisa que poderia fazer naquele momento. Pedro dormia então tranqüilamente, ou de modo bem profundo.
Segue-se a milagrosa intervenção divina, o aparecimento do anjo do Senhor, a luz que invade a cela, tudo apontando para a presença de Deus com Pedro. Vem a ordem de levantar-se, as correntes que caem, e ordem de cingir-se e por a roupa para sair. É interessante comparar tudo isso com a libertação de Jeremias (Jr 38,7-13), e também no profeta Isaías com a seqüência de “despertar-vestir-se e soltar-se” (Is 52,1-2). Todo este modo bíblico de falar bíblico nos indica a intervenção do sobrenatural, uma experiência de Deus muito forte, que leva a libertação do prisioneiro. Como o povo de Deus no Egito era prisioneiro de Faraó e Deus interveio, agora ele também intervém para libertar Pedro.
O texto depois nos narra com vagar como Pedro sai da prisão, pensando ter tido apenas uma visão, e por fim se dá conta da realidade que aconteceu com ele. (Gn 24,7 Ez 34,27).
Sem dúvida vemos neste texto mais uma vez a intervenção de Deus, quando os homens queriam aniquilar a comunidade de Jesus matando seus lideres. Tal fato sempre nos deve reforçar a fé e a esperança no Senhor da história, que sempre conduz o mundo e a vida das pessoas para a realização de seus misericordiosos desígnios. Mas o comportamento da comunidade cristã, quando rezava por Pedro, nos torna clara a importância da oração de intercessão em nossas vidas também. Há momentos em que nos sentimos impotentes diante dos fatos e acontecimentos, às vezes nada podemos fazer, mas sempre podemos e devemos orar. Assim como os cristãos oraram por Pedro, somos chamados a rezar por nossos irmãos em dificuldade. E creio ser de fundamental importância que esta oração seja verdadeiramente comunitária, pois o mesmo Jesus nos afirma que quando duas ou mais pessoas estão de acordo no que pedem serão atendidas. (Mt 18,19).
Será que acreditamos mesmo no valor da oração? Ainda mais neste nosso mundo tão auto-suficiente não raras vezes somos levados a pensar que rezar é perder tempo, temos apenas é que agir! Sem dúvida sempre precisamos agir, fazer a nossa parte, mas nunca podemos deixar de orar e buscar a vontade e o auxílio de Deus.
Na segunda leitura (2 Tm 4,6-8.17-18) o Apóstolo Paulo, depois de ter trabalhado de modo incansável pelo Evangelho, e ter enfrentado as mais difíceis situações (2 Cor 11, 16-33), agora encontra-se no término de sua vida. Antes de dar sua vida por Cristo, olha para o seu passado e percebe que sempre se manteve na fidelidade ao Senhor e ao Evangelho! Usa para esclarecer esta situação, a comparação com as disputas esportivas, ou as lutas de sua época, onde depois da vitória se recebia a coroa de louros! Neste sentido quer ele afirmar que manteve fidelidade a sua missão de apóstolo, e tem agora a consciência tranqüila do dever cumprido.
Seria interessante notar que o Apóstolo sente na prisão a solidão e o abandono dos amigos (2 Tm 4, 9-16), e mesmo a traição, em sua defesa constata que como Jesus estava sozinho! Mas como para Paulo tudo é graça, no fim do texto que nos propõe hoje nossa liturgia de hoje, percebemos como ele atribui unicamente sua força e salvação a Deus. É a certeza de ser liberto do mal, e da boca do leão que sempre deseja devorar! É sempre o Senhor que lhe dá forças, seja para a missão, seja para enfrentar as perseguições em sua vida! Assim se ganhará a coroa da vitória, será por graça de Deus que o sustentou sempre em sua existência.
Olhar Paulo no final de sua jornada, nos ajuda a compreender a importância de uma dedicação plena ao Reino de Deus, e crescer numa confiança inabalável na força e na ajuda do Senhor. Mas será que de fato temos esta confiança em nossas vidas de discípulos de Jesus? Sabemos mesmo que quem nos dá força é o Senhor? Buscamos a força vencedora de Jesus, no meio de nossa dolorosa caminhada? Se confiarmos mesmo em Deus, nunca podemos desanimar, pois cremos que Ele sempre nos dará forças para enfrentar a dura luta da vida.
No Evangelho (Mt 16,13-19) estamos diante da chamada “confissão de Pedro”. Jesus estava em Cesaréia, e ali naquela cidade progressista da época faz uma enquête com seus apóstolos. Cristo sabe bem que o desejo dos judeus era de um Messias político, e que trouxesse a Israel um enorme progresso material e que com força aniquilasse os inimigos de Israel. Era um desejo não muito diferente dos que hoje trilham pela chamada “teologia da prosperidade”, achando que Deus tem a obrigação de manifestar o amor ao homem dando bens e saúde em abundância. Pois bem é ali que Jesus pergunta o que os judeus pensam dele. E vemos as mais variadas respostas: seria ele João Batista, Elias, ou um profeta! Com estas conclusões percebemos que a maioria ainda não tinha compreendido mesmo quem era de fato Jesus. Segue-se então a pergunta feita aos apóstolos, e Pedro em nome de todos responde acertando em cheio quem é Jesus: o Messias prometido, e o Filho de Deus.
Jesus então percebe que Pedro por si mesmo nunca poderia ter compreendido isto naquele momento, e por isso afirma que o Pai revelou tal resposta a ele naquele momento. Em seguida faz o chamado para Pedro para ser o primeiro entre os irmãos, e o chefe do grupo apostólico. Depois promete que a Igreja dele, de Jesus, nunca será vencida pelo mal!
Mas, se continuarmos a ler o Evangelho, logo depois da confissão de Pedro sobre a messianidade de Jesus, encontramos algo muito difícil. Jesus faz o primeiro anuncio oficial da paixão. Ele ensinava aos apóstolos a necessidade do Messias dar a própria vida e depois ressuscitar, mas isso foi muito difícil para a mentalidade dos apóstolos compreenderem, e encontramos então a forte reação de Pedro afirmando que tal fato nunca ocorreria. E o mesmo Jesus que tinha reconhecido em Pedro a capacidade de perceber uma revelação de Deus, agora o chama de “satanás”, pois pensa não como Deus, mas como os homens. (Mt16, 21-28). De fato podemos concluir que Pedro entendia que Jesus era o Messias, mas ainda de um modo muito parecido com a mentalidade judaica de sua época, o Messias rei e triunfante.
Num primeiro aspecto, mais pessoal, podemos na festa de hoje perceber valores importantes para nossa vida de discípulos. A primeira leitura nos fala da importância da oração de intercessão, e do poder de intervenção e libertação de Deus, o que deve elevar sempre nosso animo. Na segunda leitura vemos como Paulo confia na força de Deus, faz a sua parte, mas sabe que a força não provém dele, mas de Deus, o que deveria continuar fazendo crescer nossa esperança no meio da luta de nossas vidas. E no Evangelho encontramos a importante lição de reconhecermos quem é de fato Jesus em nossas vidas, ele é o Messias prometido, é o Filho Unigênito do Pai e nosso único Salvador. Assim concluímos que precisamos ouvi-lo sempre, tendo uma sólida atitude de fé e confiança em seu poder salvífico na história do mundo, e em nossa vida pessoal. Ouvir Jesus é buscar entender o modo de pensar de Deus, o que não nos é muito fácil, como não o foi para Pedro. Lembremos como quando Pedro presumiu de suas forças, achando que era corajoso e forte o bastante por si mesmo, acabou negando conhecer seu Mestre Jesus (Mt 18, 15-27).
Num segundo e não mais importante aspecto, o eclesial, nossos textos querem nos lembrar que a Igreja de Jesus é “apostólica” e, aliás, é o que professamos no Credo de nossa fé! A apostolicidade da Igreja é justamente a intenção de Jesus de erguer sua Igreja sobre o fundamento dos apóstolos, aqueles doze que foram chamados, escolhidos, preparados, e enviados. Os apóstolos eram as testemunhas diretas do Ressuscitado, foram enviados por Jesus para pregar o Evangelho, e para administrar os sacramentos. Neste sentido Jesus transmitiu aos apóstolos o seu poder (Jo 20, 21-23), como Ele veio para perdoar e reconciliar, os apóstolos tem a mesma missão no mundo. Nisto compreendemos o desejo do Senhor no sentido da “colegialidade”, pois os poderes não são dados a um só, mas a todo grupo apostólico. Mas neste grupo de apóstolos Jesus escolhe um, Pedro, como o primeiro e o ponto de unidade. Muitos são os textos que nos apresentam Pedro como o primeiro, é ele que corre com João ao tumulo de Jesus e entra primeiro, é ele que resolve pedir a substituição de Judas, é ele que faz o primeiro discurso após Pentecostes, é ele que encabeça sempre a lista das aparições de Cristo, etc. (Jo 20,1 ss; At 2, 14 ss; At 1,15 ss.)
A sucessão apostólica é algo de fundamental importância na Igreja de Jesus, e aponta claramente para a passagem do poder ministerial de alguém que o tenha para outra pessoa ao longo dos tempos. Desde o inicio esta sucessão era transmitida de modo visível através da oração da Igreja, e da imposição das mãos para o ministério. De modo que o serviço dos apóstolos continuasse através dos seus legítimos sucessores. E assim como o serviço apostólico continuava nos bispos, o serviço de Pedro (ou ministério petrino) também continua em seus sucessores.
Deste modo hoje somos de maneira especial convocados a crescer em nossa fé na Igreja que é “apostólica”, herdeira do ministério dado por Jesus aos seus apóstolos. Nossos bispos, presbíteros e diáconos possuem o poder proveniente de Cristo através dos séculos, pela imposição das mãos. Como esta realidade é tão diferente de muitos grupos cristãos em que seus lideres se auto proclamam bispos, presbíteros e diáconos! Alguns destes grupos até invocam uma ordenação espiritual, realizada por um dos apóstolos de Jesus para confirmar sua sucessão apostólica, a que absurdo chegamos não?
Também somos hoje convidados a refletir sobre o ministério de Pedro que é exercido por seu sucessor o Papa. Em nossa fé sabemos que este ministério é essencial à caminhada da Igreja, é um serviço de unidade e de confirmar na fé os irmãos. Mesmo antes da separação entre os cristãos ortodoxos dos romanos, a autoridade do papa nunca foi atacada, mas naquelas épocas as coisas caminhavam de modo diferente. Os orientais sempre viram o Papa como o primeiro entre os pares que são irmãos, e nunca deixaram de recorrer a Roma em casos graves de doutrina, ou mesmo de autoridade eclesiástica local. Porém os Orientais nunca admitiram um centralismo romano, querendo nomear seus bispos, e opinar em assuntos acidentais da caminhada da Igreja local. Na reforma protestante também Lutero manifestava respeito ao Papa, tanto que lhe pedia um Concílio pra resolver o problema da venda das indulgências. Hoje os Anglicanos reconhecem a necessidade do ministério de Pedro, mas não exercido nos atuais moldes culturais. E o próprio papa João Paulo II, conclama os teólogos das outras Igrejas cristãs, a apresentar um modo como o ministério de Pedro, sem ser abandonado, possa contribuir mais para a unidade.
É certo que na história da Igreja vemos sempre uma forte tensão entre “colegialidade” ou trabalho em grupo, e “centralismo”. O Concílio Vaticano II insistiu muito nas “colegialidade”, e a partir dele surgiram muitos órgãos de governo partilhado como: sínodo dos bispos, conselho de presbíteros, conselhos paroquiais etc. Mas será que na prática são de fato organismos colegiados ou apenas órgãos de consulta?
Nunca podemos negar a importância do serviço de Pedro, e de seus legítimos sucessores para o bem e a comunhão da Igreja de Cristo. Mas o modo histórico de exercer este ministério pode e deve ser muitas vezes questionado como o foi ao longo da história. Hoje deveríamos, depois de quarenta anos do Concílio, ter mais abertura para as decisões tomadas pelas conferências episcopais, e mesmo pelos bispos diocesanos, mas será que é isso que ocorre na prática?
Nada disto é heresia, visto que o próprio papa pede a todos que indiquem a melhor forma de exercer o seu serviço a Igreja! O serviço de Pedro é essencial sem dúvida, mas o modo de exercê-lo que é acidental pode mudar!
Olho ás vezes Paulo, que hoje celebramos também, e não raro o colocamos mais de lado nesta festa, e vejo nele a força que teve ao enfrentar Pedro com relação a sua postura diante dos pagãos! Paulo nunca desconsiderou Pedro como chefe, mas se opôs ao que percebia ser contrário à vontade de Cristo (Gal 2, 11 ss).
Bem caros irmãos, vamos nesta semana rezar pelos sucessores de Paulo e de Pedro. Não só orar, mas agir também os ouvindo e amando-os, não apenas com palavras, mas na verdade de nossas opções e compromissos.
Peçamos nesta semana de modo especial por nosso Bispo, para que Deus o ilumine e fortaleça! Peçamos ainda pelo Papa, para que possa ser um sinal visível da unidade na diversidade da Igreja de Jesus.
O chamado “óbolo de São Pedro”, uma oferta econômica dada na missa deste domingo, será nossa resposta concreta, para ajudar a implantação da Igreja de Jesus em muitos lugares desta terra. Este dinheiro não é destinado as comodidades do Papa, mas a ser uma ajuda para a Igreja de Cristo em tantos e tantos lugares desta terra. Por tanto sejamos generosos!
Que também possamos crescer nesta semana na esperança, buscando sempre a força de Jesus, e tendo-o verdadeiramente como Nosso Senhor e Salvador.
Que a vitória de Cristo e de sua Igreja contra todos os poderes do mal, nos de animo para caminhar com uma esperança ativa, na construção do Reino de Deus.
Pe. Antonio Luiz Heggendorn, CP.
in memorian
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